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Chegamos à última semana do ano. É clichê, mas é verdade: a sensação é a de que mais um ano voou. A sucessão acelerada de eventos que nos chegam ao conhecimento, neste mundo hiperconectado que não nos dá trégua, absorve tanto a nossa atenção que mal percebemos a passagem do tempo. É inexorável: aquelas longas tardes da minha infância, que pareciam intermináveis, ficaram definitivamente para trás.
No arriscado exercício de tentar prever os rumos da geopolítica em 2026, começo pela previsão mais fácil, fruto da constatação que abre este texto: continuaremos sem descanso, em meio a uma sucessão acachapante de eventos. É certo que a disputa pelo poder entre Estados nacionais, muito mais preocupados em alcançar seus próprios objetivos em detrimento da construção de consensos coletivos internacionais — tão marcante em 2025 —, seguirá como traço dominante.
Com isso, problemas que exigem soluções coletivas e concertadas entre diferentes Estados, como o crime transnacional, os fluxos migratórios, as mudanças climáticas, o controle de armas de destruição em massa, a governança do espaço cibernético e do espaço sideral e as regras do comércio internacional, tendem a permanecer sem respostas eficazes.
Ou seja, no campo dos assuntos estratégicos e geopolíticos, 2026 provavelmente não marcará um recomeço, mas uma continuidade
A política de poder, aquela em que “os fortes fazem o que podem e os fracos sofrem o que devem”, continuará a prevalecer nas relações internacionais. Com isso, prosseguirá a tendência atual de erosão do multilateralismo construído sob a liderança dos EUA no pós-Segunda Guerra Mundial, cujo exemplo mais evidente é o enfraquecimento do Sistema ONU.
Essa circunstância será explorada pela China, que continuará a ocupar o vácuo deixado pela mudança de prioridade estratégica norte-americana, para tentar construir e fortalecer novas instâncias multilaterais sob sua própria inspiração e liderança.
Nesse contexto de transição, em que a velha ordem dá mostras de estar morrendo, mas a nova ordem ainda não nasceu, em 2026 permanecerá a tendência do uso da coerção econômica e militar, ou mesmo do emprego direto do instrumento militar, por potências médias e grandes, como ferramenta para alcançar seus objetivos políticos e estratégicos.
Como escrevi na coluna da semana passada, a força continuará a decidir. Conflitos latentes entre Estados podem evoluir para conflitos de alta intensidade, enquanto guerras já em curso tendem a se prolongar em 2026.
As regiões sujeitas a maior instabilidade estratégica tendem a aumentar. No Oriente Médio, a tensão na Faixa de Gaza e na Cisjordânia permanecerá, bem como a possibilidade de novos conflitos entre Israel e Irã, além de uma nova e surpreendente rivalidade entre Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.
Na Ásia, as tensões na península da Coreia, no Estreito de Taiwan e no Mar do Sul da China permanecerão altas, assim como as tensões entre Índia e Paquistão e entre Camboja e Tailândia.
Na África, além das guerras civis no Sudão e na República Democrática do Congo e da instabilidade nos países do Sahel, é provável que o reconhecimento da independência da região separatista da Somalilândia por Israel seja acompanhado por outros países, o que aumentará a instabilidade no Chifre da África, área de enorme importância geoestratégica em razão de seu posicionamento em relação às rotas comerciais que unem o Mediterrâneo ao Oceano Índico.
Os países europeus, que em 2025 passaram a duvidar do compromisso americano no âmbito da OTAN, verão, a partir de 24 de fevereiro do ano que vem, a guerra na Ucrânia entrar em seu 5º ano.
Acossados também diretamente pela guerra híbrida russa, os europeus, em 2026, continuarão a tentar recuperar as capacidades militares que deixaram se perder ao longo das últimas décadas, desde o fim da Guerra Fria, ao terceirizar suas defesas aos EUA.
Ao mesmo tempo, a dificuldade em criar consensos nos assuntos mais sensíveis continuará a solapar a força conjunta da União Europeia. Dois bons exemplos disso são a incapacidade do bloco de encontrar um consenso que leve à assinatura do acordo comercial com o Mercosul ou de encontrar uma resposta uníssona sobre como financiar a Ucrânia em sua guerra contra o invasor russo.
A América Latina, por sua vez, sentirá como nunca o peso da prioridade estratégica conferida pelo governo Trump à região. A pressão militar e econômica sobre a Venezuela será crescente e provavelmente será exercida até a queda do governo Maduro, mesmo que, para isso, sejam necessários ataques pontuais a alvos militares ou governamentais venezuelanos, ou mesmo ações militares de pequeno porte, conduzidas de forma breve e limitada por operadores de forças especiais.
Além disso, os latino-americanos sentirão a pressão do esforço americano na busca da recuperação da primazia no chamado Hemisfério Ocidental, descrita no “Corolário Trump” à Doutrina Monroe. Isso passará, inclusive, por um posicionamento ostensivo em favor de candidatos considerados mais alinhados a Washington nas eleições que ocorrerão na região em 2026, o que suscitará acusações de interferência política, a exemplo do que está acontecendo neste exato momento nas eleições presidenciais de Honduras.
Não são notícias animadoras sobre o ano que se iniciará daqui a três dias, sei disso. Mas a vantagem é que 2026 me parece ser um ano previsível do ponto de vista dos assuntos tratados neste espaço.
Sendo assim, podemos nos preparar para o que vem, tanto do ponto de vista das estratégias a serem adotadas pelas diversas políticas públicas do Brasil, como as políticas externa e de defesa, quanto do ponto de vista privado, das empresas brasileiras que têm seus negócios sujeitos aos ventos da geopolítica global. Preparemo-nos, portanto, para o novo ano.
Feliz 2026 a todos os leitores!
