
Ouça este conteúdo
O projeto do novo Código Civil entrará em 2026 na fase mais sensível de sua tramitação: a discussão de emendas, a apresentação do parecer do relator e a tentativa de levar o texto ao plenário do Senado antes de o calendário eleitoral se aproximar.
A pressa tem sido, desde o início, uma marca da empreitada liderada pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) de substituir o atual Código Civil. Esse é um documento que, nas democracias, costuma atravessar décadas, e às vezes séculos, antes de ser substituído por uma nova versão. Se a proposta de Pacheco for aprovada, o Brasil será o único país do mundo a ter tido dois Códigos Civis diferentes no século 21.
O projeto foi apresentado em janeiro de 2025 após a entrega de um anteprojeto elaborado por uma comissão de juristas instituída em 2023. No Senado, a condução política do tema ficou concentrada no próprio Pacheco, que preside a comissão especial, com relatoria de Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB).
A comissão já atravessou, em 2025, uma etapa de audiências públicas temáticas sobre contratos, responsabilidade civil, família, sucessões e ambiente digital. Juristas de diferentes vertentes criticaram o formato das discussões, apontando desequilíbrios no espaço dado a expositores críticos do texto. Aqueles que pedem que o projeto seja arquivado têm sido ignorados, como mostrou a Gazeta do Povo.
O cronograma desenhado para o Congresso em 2026 forçará Pacheco a pressionar por decisões rápidas se quiser atingir seu objetivo de aprovar o projeto ainda no ano que vem. A comissão do Código Civil pode encerrar a fase de emendas ainda no primeiro trimestre e buscar a apresentação do relatório final até março, com uma possível tentativa de votação no plenário do Senado até julho.
A busca de um texto capaz de formar maioria de maneira apressada pode aumentar ainda mais o risco de que o Código Civil de Pacheco se converta em um "Frankenstein" jurídico, com trechos autocontraditórios e conflitantes. Esse já é um problema grave do projeto, como alertaram juristas consultados pela Gazeta do Povo recentemente.
"Os equívocos neste projeto são transversais. Não é questão de tirar uma ou outra regra que esteja mal formulada. Há implicações de regras que estão na parte geral que vão afetar, por exemplo, o Direito Digital. Há equívocos na parte geral dos contratos que se esparramam por todos os tipos contratuais", afirmou a civilista Judith Martins-Costa, livre-docente e doutora em Direito pela USP, em depoimento recente ao jornal.
Código Civil de Pacheco enfrentará crivo do Congresso em pleno ano eleitoral
O projeto trará à discussão temas altamente polarizadores em pleno ano eleitoral. No campo digital, por exemplo, o Código Civil de Pacheco poderia consolidar a visão sobre as redes sociais do Supremo Tribunal Federal (STF), o que tende a causar conflito especialmente com a direita. No âmbito econômico, os capítulos de contratos e responsabilidade civil devem causar disputa.
Essas e outras partes do documento, segundo diversos juristas, têm excesso de conceitos abertos e mal definidos, o que poderia agravar o ativismo judicial e criar zonas de insegurança em diferentes tipos de relações sociais.
Um ponto central para discussão em 2026 é o livro de Direito Civil Digital, que tenta levar para o Código Civil temas hoje regulados por leis específicas e por jurisprudência, como privacidade, dados, herança digital, plataformas e inteligência artificial. A proposta já enfrenta críticas fortes entre especialistas em Direito Digital por sobrepor normas existentes e criar regras confusas, que poderão não só reforçar a insegurança jurídica mas também trazer risco à inovação.
A parte sobre Direito de Família é outro ninho de controvérsias: a expansão das hipóteses de filiação socioafetiva, a facilitação excessiva de registros extrajudiciais, as novas normas para reprodução assistida e as regras sobre cessão temporária de útero dificilmente passarão sem polêmica, especialmente em ano eleitoral.
Caso o projeto consiga tramitar, um estágio importante será o parecer do relator. É nele que se define o que vira texto de votação, quais emendas entram e quais ficam de fora. Se o relator tiver uma abordagem mais voltada a preservar o projeto original, é pouco provável que o documento avance sem atrito entre os senadores.
Mesmo que o Senado aprove o projeto até julho de 2026, Pacheco terá um desafio ainda maior em uma etapa seguinte: convencer a Câmara dos Deputados de que um novo Código Civil é necessário.
Até aqui, pouco se falou sobre o tema na Câmara, e o calendário eleitoral de 2026 tende a comprimir a janela de deliberação. Isso eleva a chance de o projeto atravessar o ano sem um desfecho, o que pode acabar empurrando a decisão para 2027, quando uma nova composição do Congresso pode tornar a tramitação ainda mais complicada.