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Com sua estrutura tradicional e ineficaz, o sistema prisional do Brasil tornou-se o principal núcleo e ponto de recrutamento das facções criminosas que hoje ameaçam a segurança e a independência do país. A deterioração da segurança e da inteligência, juntamente com a superlotação, a indignidade e a falta de programas de reintegração social, propiciam um cenário favorável para que facções, atuando como autênticos negócios criminosos, ajam com impunidade dentro das prisões.
Nesse contexto desolador, o simples agravamento das penalidades ou a construção de novas penitenciárias sob a mesma administração do Estado são apenas ações emergenciais. O Brasil necessita implementar e aperfeiçoar imediatamente seu sistema de Cogestão Prisional, empregando-o nessa luta contra o crime organizado como um instrumento estratégico. A força da Cogestão Prisional está em reunir aspectos como ordem, dignidade e inteligência. Nesse modelo, empresas especializadas atuam em parceria com o Estado, que, por sua vez, permanece mantendo o poder de polícia, custódia e fiscalização.
O modelo tradicional está degradado. O sistema puramente estatal tornou-se ineficaz em razão da incapacidade crônica de fornecer as assistências previstas pela Lei de Execução Penal (LEP) – saúde, educação, trabalho e assistência social. Num Estado omisso, há um vácuo de poder que é imediatamente preenchido pelo crime organizado. Enfraquecido o poder público, este deixa espaço para que o crime passe a ofertar proteção, recursos e identidade aos apenados.
É exatamente nos presídios degradados que o crime organizado recruta ou captura jovens e egressos vulneráveis. O ambiente expande e conecta lideranças, estabelecendo rotas de comando e comunicação. Com o aproveitamento de tecnologia ilícita, dentro das unidades prisionais as facções financiam e operam crimes.
O custo da falta de iniciativa no sistema prisional é a contínua expansão do crime organizado. Não adianta supor que apenas o policiamento ostensivo, preventivo e o Judiciário resolverão todo o problema da segurança pública no Brasil
O sistema prisional, quando se descuida da ressocialização, não apenas falha em cumprir sua função: ele também reforça e retroalimenta o ciclo da criminalidade, devolvendo à sociedade indivíduos mais engajados e conectados ao crime organizado. Já ficou demonstrado, por meio de diversas experiências positivas, que a Cogestão Prisional é um recurso essencial para ajudar a mudar esse quadro perigoso instalado no Brasil há décadas.
O foco desse modelo de gerenciamento está na quebra da hierarquia criminosa. O primeiro passo da cogestão, portanto, está no restabelecimento da ordem e da disciplina. Nesse formato, as unidades em cogestão estabelecem um rigoroso controle de segurança periférica e interna. Dessa forma, dificultam o ingresso de celulares, drogas e outros objetos ilegais, indispensáveis à comunicação das facções.
Quando proporciona o apoio assistencial básico com qualidade e dignidade humana, a cogestão retira a exclusividade da “assistência” das mãos do crime organizado. Com acesso à saúde, à alimentação de qualidade, à educação e ao trabalho, o preso se desprende da “proteção” oferecida pelas facções, enfraquecendo sua base de recrutamento e poder.
A ressocialização funciona também como um antídoto ao recrutamento. Por meio de experiências que alcançaram a ressocialização desejada, comprovamos que, a longo prazo, ela é a principal ferramenta de combate ao crime organizado. As empresas de cogestão costumam investir onde o Estado tem fracassado tradicionalmente.
Um dos principais pontos em que a cogestão prisional atua é na educação e na qualificação profissional. Ela estimula e dá suporte à participação de presos no Enem e auxilia, ainda, por meio de programas de trabalho penal, que oferecem um novo caminho para o mercado de trabalho. Essa ressocialização é um dos maiores desafios do sistema penal brasileiro.
O apoio familiar nesse modelo é incontestável, e a cogestão utiliza um profissional, o “monitor de ressocialização”, como elo no papel educativo. Seu trabalho procura reafirmar a dignidade e a crença nos direitos fundamentais, proporcionando mais apoio à família, o que diminui a vulnerabilidade ao recrutamento de filhos e cônjuges. Ao transformar um indivíduo que foi “soldado do exército do crime” em um cidadão produtivo, a cogestão não apenas reduz a reincidência, mas, sobretudo, compromete a própria base social e econômica das facções criminosas.
Entender a Cogestão Prisional simplesmente como mais uma privatização ou terceirização de serviço é um grande equívoco. Trata-se, de fato, de uma gestão altamente especializada, direcionada à eficiência e a resultados de ressocialização. É sempre importante ressaltar que o sistema opera sob o comando da fiscalização e do poder decisório do Estado.
O país, para combater o crime organizado na sua origem, precisa apoiar e ampliar o modelo de cogestão. O Estado hoje necessita voltar-se para aquelas unidades onde o controle das facções está mais aparente e é mais urgente para a sociedade. É muito importante também melhorar a inteligência, empregando a disciplina e a ordem da cogestão a fim de isolar as lideranças, cortando as comunicações internas e externas.
Neste momento, faz-se necessário dar prioridade à dignidade humana, convertendo o presídio, hoje um “escritório do crime”, em um ambiente de reeducação e recuperação social. A Cogestão Prisional representa o caminho mais ágil e eficaz para romper o ciclo vicioso do sistema penal e restabelecer a plenitude do domínio do Estado sobre suas unidades, assegurando uma sociedade mais segura. O custo da falta de iniciativa no sistema prisional é a contínua expansão do crime organizado. Não adianta supor que apenas o policiamento ostensivo, preventivo e o Judiciário resolverão todo o problema da segurança pública no Brasil.
Eduardo Brim Fialho é presidente do Sindicato Nacional das Empresas Especializadas em Gestão de Presídios e Unidades Socioeducativas (Sempre).