Ilustração conceitual de uma balança em severo desequilíbrio, com o eixo central rachando sob o peso de um tanque industrial vazando recursos, simbolizando a crise nas contas públicas e a insustentabilidade da dívida brasileira para as eleições de 2026.
O próximo governo herdará um cenário de desequilíbrio fiscal crítico: sem uma "terapia de choque" e reformas estruturais, a dívida pública poderá ultrapassar 100% do PIB, exigindo correções urgentes para evitar o colapso econômico. (Foto: Imagem criada utilizando Dall-E e Microsoft Copilot/Gazeta do Povo)

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O Brasil caminha para atingir uma dívida pública equivalente a 100% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2030. O alerta foi feito por Marcus Pestana, diretor da Instituição Fiscal Independente do Senado Federal, em audiência da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Para ilustrar a gravidade do cenário, Pestana foi direto: “Imaginem as Forças Armadas sem munição, o Ibama e a Polícia Federal sem gasolina, o PAC zerado e os ministérios sem pagar a conta de energia? Parece caricatura, mas é para lá que caminhamos”.

O crescimento acelerado da dívida pública não é um problema abstrato nem restrito a planilhas técnicas. Trata-se de um risco concreto ao funcionamento do Estado e à estabilidade econômica. A dívida pública engloba o endividamento de todo o setor estatal – União, estados, municípios, autarquias, fundações e empresas estatais –, financiado por tributos pagos pela sociedade. Hoje, a Dívida Bruta do Governo Geral já se aproxima de 80% do PIB e mantém trajetória ascendente, sem sinal claro de reversão.

Estimativas indicam que o risco de um 'shutdown' – a interrupção de serviços públicos por falta de recursos discricionários – foi postergado de 2027 para 2029. Trata-se de um alívio temporário, que não altera a trajetória estrutural da dívida

A compreensão desse fenômeno exige olhar além do curto prazo. O endividamento público moderno tem origem histórica na grande depressão dos anos 1930 e nos efeitos econômicos das guerras mundiais. Foi nesse contexto que se consolidaram as ideias de John Maynard Keynes, para quem o Estado deveria ampliar gastos em momentos de recessão profunda, mesmo à custa de déficits e aumento da dívida, como forma de recuperar a demanda, o emprego e a renda.

A premissa central dessa abordagem era a transitoriedade do desequilíbrio fiscal. Superada a crise, os governos retomariam o equilíbrio orçamentário, reduziriam déficits e conteriam o endividamento. O próprio debate teórico da época, porém, já apontava o risco de que essa reversão não ocorresse. A história confirmou o alerta: em muitos países, o gasto emergencial tornou-se permanente, os déficits se cristalizaram e a dívida passou a crescer de forma contínua, mesmo em períodos de expansão econômica.

O Brasil ilustra com precisão esse desvio. Apesar de ostentar uma das maiores cargas tributárias do mundo, o país convive com déficits fiscais recorrentes e dívida em expansão. De novembro de 2014, quando as contas públicas entraram no vermelho, até outubro de 2025, a dívida saltou de 56,1% para 78,6% do PIB, segundo o Banco Central. No atual mandato de Lula, apenas sete dos 33 meses até setembro de 2024 registraram superávit primário, e estimativas indicam que o endividamento pode crescer até 11 pontos percentuais apenas neste período. É preciso reconhecer o peso das despesas obrigatórias nesse cenário, que consomem hoje mais de 90% do orçamento – e seguem crescendo, impulsionadas pelo envelhecimento da população e pela indexação de benefícios previdenciários e assistenciais ao salário mínimo.

Diante dessa estrutura engessada, o governo optou por contornar o problema em vez de enfrentá-lo. Para cumprir formalmente o arcabouço fiscal, recorreu a expedientes contábeis: alterações no tratamento de precatórios, exclusão de gastos do Programa de Aceleração do Crescimento das regras fiscais e uso de empresas estatais para executar despesas fora do resultado primário. Desde o início do terceiro mandato de Lula, mais de R$ 330 bilhões foram retirados da contabilidade oficial das metas fiscais.

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Essas medidas podem evitar uma paralisação imediata da máquina pública, mas não resolvem o problema – apenas o adiam por um curto espaço de tempo. Estimativas indicam que o risco de um “shutdown” – a interrupção de serviços públicos por falta de recursos discricionários – foi postergado de 2027 para 2029. Trata-se de um alívio temporário, que não altera a trajetória estrutural da dívida.

A estratégia implícita é clara: ganhar tempo, evitar decisões impopulares e apostar que o crescimento econômico – ainda incerto – aliviará as contas públicas. É uma aposta arriscada. Com juros elevados, orçamento rígido e credibilidade fiscal fragilizada, o crescimento não tem nada de garantido e, mesmo que ocorra, dificilmente compensará o avanço automático das despesas.

A trajetória atual confirma um alerta antigo: políticas concebidas para situações excepcionais não podem se tornar permanentes. A insistência em postergar ajustes, ampliar gastos e recorrer a expedientes contábeis não elimina o problema da dívida pública. Apenas o transfere para o futuro, em condições possivelmente ainda mais adversas. A deterioração fiscal já está em curso, e é lamentável que um assunto dessa magnitude e importância para a saúde da economia nacional e para o bem-estar social da população não seja uma das principais preocupações do governo, do parlamento e das autoridades da área econômica. Fica o alerta.