A liturgia da lavanderia social
Não há nada mais brasileiro do que um homem que se acha imortal sendo arrastado pelo braço em pleno aeroporto
Juliana Leite - 24/11/2025 09h28

Ele sempre foi o tipo de personagem que acharia que a própria ambição era alguma espécie de virtude republicana: Daniel Vorcaro, o presidente do Banco Master, esse banqueiro que transformou o crédito podre em império reluzente, acreditava piamente que o país inteiro tinha a obrigação moral de aplaudi-lo.
A operação da PF que o prendeu — junto com o colapso do banco decretado pelo Banco Central — só expôs o que já estava ali, pingando na superfície: a fantasia de grandeza de mais um magnata que confundiu o próprio reflexo com autoridade divina. Não há nada mais brasileiro, e mais tragicômico, do que um homem que se acha imortal sendo arrastado pelo braço em pleno aeroporto.
E, como sempre, nenhum esquema vive sozinho: toda fortuna suspeita exige suas testemunhas de aluguel. Ciro Nogueira circulando ao redor, abrindo portas, ungindo reputações, é quase uma alegoria; Brasília tem um ecossistema próprio, onde políticos farejam dinheiro duvidoso com a precisão de um cão treinado.
As reportagens sobre pressões envolvendo o BRB, executivos afastados, negociações subterrâneas — tudo isso compõe o mesmo romance ancestral: o político que jura não saber de nada enquanto conhece cada centímetro do mapa onde o dinheiro público e o privado se misturam em silêncio.
Mas o coro mais divertido — ou mais deprimente, se você ainda acredita em alguma dignidade humana — é o dos influenciadores e das musas aéreas do poder. Subitamente, todos os que viviam em jatinhos, resorts, after-parties e salas VIP ao lado do banqueiro descobriram que “não sabiam de nada”.
Claro que não sabiam: a ignorância é a pulseira de acesso ao luxo pago por outros. As defesas apressadas nas redes, as notas de autoexplicação, as namoradas que surfavam na espuma do dinheiro e agora tentam negar até a cor do próprio cartão de embarque — tudo isso é material literário de primeira. Não porque revele culpa jurídica, mas porque revela culpa moral, a pior de todas: a culpa de quem aceitou a vida fácil e agora tenta, desesperadamente, fingir que o conforto não tinha cheiro de fraude.
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Juliana Moreira Leite é jornalista especialista em cultura, escritora e curiosa. Nesse espaço vai falar sobre assuntos da atualidades sob a sua visão. |
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