Na esquerda, o antissemitismo não usa uniforme, trafega por túneis subterrâneos e esconde-se debaixo de escolas e hospitais da ONU. (Foto: PantheraLeo1359531/Wikimedia Commons)

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Na minha coluna anterior, comentei sobre um grande debate que ocorre hoje na direita americana. Em linhas gerais, alguns personagens ligados à direita americana – como Tucker Carlson, Candace Owens e Nick Fuentes – têm propagado ideias antissemíticas, e a direita se dividiu em torno disso. Alguns acham que esses antissemitas devem ser ostracizados, enquanto outros têm manifestado apoio, ou pelo menos mantido o silêncio no caso.

A existência do antissemitismo é péssima por múltiplas razões, e essa guerra civil interna ocorrendo na direita não ajuda a ninguém (a não ser aos esquerdistas). Mas eu queria chamar à atenção sobre um ponto positivo: ao contrário do que acontece com o antissemitismo na esquerda, pelo menos a direita está lavando a roupa suja e protestando contra o extremismo invadindo a sua visão de mundo. E essa capacidade de deixar evidente o discurso racista e de o combater é uma das grandes vantagens da direita em relação à esquerda.

O esquerdista acredita que não tem nada contra judeus, enquanto persegue judeus nas universidades, passa o dia falando que sionistas colonizam o Oriente Médio, e denunciam Israel diariamente por genocídios e opressões

Se nada é perfeito, se tudo tem defeito, que ao menos os defeitos sejam visíveis e facilmente identificáveis. Entre uma doença silenciosa e uma doença com múltiplos sintomas, é muito melhor sofrer com os sintomas, pois eles ao menos nos alertam e nos dão uma chance de combater a doença. Se for para desabar, que o meu prédio apresente rachaduras com antecedência, dando-me oportunidades para reparar ou escapar.

Com ideologias acontece a mesma coisa. Toda ideologia política é um jardim exuberante com alguns alçapões para o inferno. A presença dessas armadilhas não é nenhum demérito; em qualquer conjunto de ideias, em qualquer movimento político ou social, sempre haverá de aparecer alguns elementos defendendo ideias vis e extremas. Toda ideologia tem defeitos, toda ideologia possui as suas rachaduras, e o melhor que podemos fazer é garantir que elas sejam visíveis e facilmente identificáveis.

É aqui que reside uma das maiores vantagens da direita sobre a esquerda. A ideologia de esquerda é uma doença silenciosa: é quase impossível distinguir quando a esquerda moderada torna-se extrema-esquerda, pois os discursos e os atos são os mesmos. Você ouve alguém de centro-esquerda falar e ele utiliza o mesmo vocabulário, e comunica a mesma visão de mundo, que qualquer comunista.

O mundo ideal é um mundo sem desigualdade, sem exploração, e é preciso acumular poder no estado para acabar com a opressão, eliminar os efeitos nocivos da propriedade privada e promover a igualização de todos. E aí, isso é centro-esquerda ou extrema-esquerda? Difícil dizer. A estrada entre a centro-esquerda e a extrema-esquerda é uma descida bem pavimentada e sem obstáculos; o sujeito passa de uma para outra sem nem perceber.

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Na esquerda, o antissemitismo acaba ganhando curso livre e respeitável, porque ele é envelopado no vocabulário paz-e-amor típico do progressismo. Na esquerda, o antissemitismo não usa uniforme, trafega por túneis subterrâneos e esconde-se debaixo de escolas e hospitais da ONU.

Daí o esquerdista acredita que não tem nada contra judeus, enquanto persegue judeus nas universidades, passa o dia falando que sionistas colonizam o Oriente Médio, e denunciam Israel diariamente por genocídios e opressões (enquanto ignoram os verdadeiros genocídios e opressões ocorrendo pelo mundo). Por estar camuflado pela afetação de justiça social, a esquerda não percebe que tornou-se extrema-esquerda.

A direita, por outro lado, tem uma linha divisória nítida entre a sua versão moderada e a sua versão patológica. A extrema-direita não é uma continuação orgânica da direita; é uma ruptura total, e a a estrada entre elas é cheia de buracos, cancelas e zonas interditadas. Quando alguém passa à extrema-direita, é fácil identificar, apontar e combater: se alguém começa a fazer o discurso de que judeus controlam o governo, de que Hitler não queria realmente matar judeus, ou outros discursos referentes a pureza étnica e racial, torna-se claro imediatamente: trata-se de discurso racista, que não deve ter lugar na direita.