O advogado-geral da União, Jorge Messias, e o presidente Lula: acordo com Eletrobras favoreceu empresa dos irmãos Batista e custará caro ao contribuinte.
Messias e Lula: acordo com Eletrobras favoreceu empresa dos irmãos Batista e custará caro ao contribuinte. (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

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"Estou seguro de que fizemos o melhor acordo possível", disse o advogado-geral da União, Jorge Messias. Foi mesmo um acordo excepcional – para Joesley e Wesley Batista.

Os empresários ganharam um belo presente de Natal, entregue por Lula, Messias e o Supremo Tribunal Federal, mas pago com o cartão de crédito da sociedade. A fatura parte de R$ 22 bilhões, e ninguém realmente sabe até onde pode chegar.

A história começa com a obsessão do presidente Lula em desfazer a privatização da Eletrobras, em nome de suposto interesse nacional. E termina com a União assumindo sozinha uma encrenca atômica, em benefício de interesses privados – é aqui que repentinamente aparecem os irmãos Batista.

(Quando a gente se dá conta, Joesley está negociando tarifas com Donald Trump, tentando convencer Nicolás Maduro a deixar o poder… ou entrando em grandes negócios do setor de energia, caso desta história.)

Bolsonaro privatizou a Eletrobras, Lula quis desfazer

A Eletrobras foi privatizada em 2022, último ano do governo Bolsonaro. Uma emissão de ações diluiu a participação da União, mas ela permaneceu como principal sócia: o chamado "grupo governo" detém hoje 45% das ações ordinárias (com direito a voto).

A lei de privatização (14.182/2021), porém, determinou alteração do estatuto social da empresa para limitar o poder de voto a 10%. O teto é um arranjo típico de "corporations", e busca evitar ingerências de grandes acionistas. Tal restrição é admitida pela Lei das Sociedades Anônimas (6.404/1976).

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No ano seguinte, empossado presidente, Lula ordenou a Messias que acionasse o STF a fim de afastar o teto de voto e restabelecer a influência do governo sobre a companhia. O ministro Kassio Nunes Marques encaminhou a questão a uma câmara de conciliação.

Acordo com governo Lula antecipou "carnaval" na Eletrobras

Após muito vaivém, as partes anunciaram um acordo em fevereiro deste ano, resumido assim por um banco de investimentos: "O carnaval chegou mais cedo para a Eletrobras". A empresa de fato tinha motivos para festejar.

É verdade que o governo ganhou algumas cadeiras no conselho de administração: tinha uma de nove e passou a ter três de dez. Seu poder de voto, no entanto, continuou limitado a 10%.

É verdade que a Eletrobras se comprometeu a colocar R$ 2,4 bilhões na Eletronuclear (estatal da qual continuou sendo sócia depois da privatização), para ampliar em 20 anos a vida útil da usina de Angra 1.

Mas, ao mesmo tempo, a companhia privatizada ficou livre de fazer novos investimentos em Angra 3. Prêmio de consolação? Longe disso. Está mais para acertar as seis dezenas da Mega da Virada por anos a fio.

(E os irmãos Batista? Chegaremos lá.)

Quando o acordo foi anunciado, a Eletrobras tinha 36% dos papéis com direito a voto e 68% do total de ações da Eletronuclear. O restante pertencia ao governo, por meio da estatal ENBPar. Em condições normais, a Eletrobras teria de investir em Angra 3 de forma proporcional à sua participação acionária. Mas, graças ao acerto, ficou dispensada de abrir a carteira.

De quanto dinheiro estamos falando? Só a manutenção do canteiro de obras de Angra 3 – cuja construção está parada – custa mais de R$ 1 bilhão por ano. São R$ 800 milhões em financiamentos, R$ 120 milhões em conservação de equipamentos e R$ 100 milhões em salários.

Mais relevante é o custo de concluir ou abandonar de vez a obra. O último estudo do BNDES, divulgado em novembro, calculou que a conclusão demanda quase R$ 24 bilhões. O abandono, por sua vez, exige algo entre R$ 22 bilhões e R$ 26 bilhões.

Acordo empurra conta de Angra 3 para o contribuinte

As estimativas serão submetidas à prova do tempo. Angra 3 começou a ser erguida em 1984 e as obras foram interrompidas várias vezes. O projeto já consumiu R$ 12 bilhões, segundo a Eletronuclear. Estimar prazo – e, portanto, custo – para o término exige boa dose de otimismo.

Qualquer que seja o valor, será bancado integralmente pela ENBPar. Ou seja, pela União. Ou seja, pelo contribuinte.

O governo quer levar o projeto adiante, mas parece ter medo: o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) vem adiando a decisão, reunião após reunião.

A demora é uma das responsáveis pela ruína da Eletronuclear. A empresa está com um buraco no caixa, e vem usando recursos das usinas de Angra 1 e 2 para cumprir os compromissos de Angra 3. Também está adiando o pagamento de dívidas. A companhia espera receber o anunciado aporte de R$ 2,4 bilhões até fevereiro ou março.

No fim de setembro, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, pediu socorro aos colegas da Fazenda, do Planejamento e da Gestão. Sem citar valores, ele alertou para "risco iminente de insolvência" da Eletronuclear caso ela não receba recursos da União.

(E o Joesley? Aqui:)

Joesley e Wesley Batista viram sócios do governo na Eletronuclear

Embora o acordo entre Eletrobras e União tenha sido anunciado em fevereiro, só foi julgado pelo STF na semana passada. A maioria dos ministros achou por bem validar o acerto costurado por Jorge Messias.

Enquanto a aprovação não vinha, a Eletrobras mudou de nome – agora se chama Axia Energia – e vendeu sua participação na Eletronuclear para o grupo J&F. Que pertence a eles, os irmãos Batista.

A venda foi anunciada em outubro, por R$ 535 milhões, e aprovada no início deste mês pelo Cade, órgão de defesa da concorrência.

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Joesley e Wesley agora são sócios do governo. A Âmbar Energia, braço da J&F, herdou os compromissos da Eletrobras na estatal nuclear – entre eles, a injeção de R$ 2,4 bilhões. Em troca, ganhou o que seu principal executivo definiu como "fluxo estável de receitas, com energia gerada próxima aos maiores centros de consumo do país".

Se um dia Angra 3 entrar em operação, vai engrossar esse fluxo – e a Âmbar não terá desembolsado um centavo para a construção da usina.

Tamanha sorte faz lembrar outro negócio que envolveu quase o mesmo elenco.

No ano passado, quando comprou 13 termelétricas da Eletrobras, a Âmbar adquiriu junto o risco de calote: a distribuidora Amazonas Energia, que recebia a energia dessas usinas, não pagava por ela havia meses.

O risco desapareceu três dias depois do anúncio do negócio. O governo assinou medida provisória com o pretexto de salvar o caixa da distribuidora e assegurar o abastecimento de energia no estado do Amazonas.

A MP mudou as regras de remuneração das térmicas e, na prática, transferiu para o conjunto dos consumidores o dever de pagar pela energia. Bom para a Amazonas – e para a Âmbar.

(Logo depois, a Âmbar comprou a Amazonas Energia).

Papai Noel não se esquece dos irmãos Batista.

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