Presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participaram de reunião bilateral em Kuala Lumpur, na Malásia, neste domingo (26)
Presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, tiveram três contatos ao longo do ano, além das conversas entre equipes de governo. (Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República)

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Protegidos pelo sigilo diplomático, os pontos nos quais o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) cedeu para obter a decisão do governo dos Estados Unidos de retirar as sanções previstas na Lei Magnitsky contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a esposa do magistrado e os negócios do casal continuam sendo alvo de especulações de analistas e parlamentares.

Desde o anúncio da medida, na última sexta-feira (12), se intensificaram a avaliação dos impactos das possíveis concessões feitas pelo Brasil ao presidente Donald Trump. Elas ainda precisam ser confirmadas pelos dois países e têm potencial de serem criticadas pela oposição e até pela esquerda.

As hipóteses listadas incluem o sinal verde à exploração de terras raras por empresas americanas, o arrefecimento da regulação e tributação das big techs e mudança de tom na relação com a China, incluindo a reabertura para a Starlink, de Elon Musk, no mercado de conectividade via satélite.

No campo da segurança pública, também chamou atenção o anúncio de um compromisso do governo brasileiro com a cooperação internacional no combate ao crime organizado, com foco em facções como PCC e Comando Vermelho. A medida ainda carece de detalhes concretos.

A negociação bilateral - marcada por uma conversa presencial entre os presidentes brasileiro e americano no fim de outubro na Malásia, além de um contato telefônico e acertos entre os chanceleres - também contou com a atuação de agentes econômicos com forte presença nos Estados Unidos. Articulações dos irmãos Batista, Joesley e Wesley Batista, do grupo JBS, foram vistas como auge do atendimento ao interesse estratégico de Washington contra o regime do ditador Nicolás Maduro, na Venezuela.

A investida de Joesley Batista para pavimentar a “saída negociada” de Nicolás Maduro do poder teve o peso de uma diplomacia paralela. Segundo a Bloomberg, o empresário viajou a Caracas e se reuniu com o ditador venezuelano em 23 de novembro, dias após Trump telefonar a Maduro pedindo que abrisse caminho para a transição, em meio ao endurecimento das operações militares americanas na região.

A movimentação observada por autoridades dos Estados Unidos decorre do fato de que Batista mantém acesso direto a Washington, desde a doação milionária da JBS ao comitê de posse de Trump e encontro do empresário com o presidente na Casa Branca para tratar de tarifas e da relação com o governo Lula. Com antigos vínculos com Caracas, Joesley virou "intermediário" com portas abertas dos dois lados.

Mas a justificativa oficial do Departamento de Estado americano para o recuo da Magnitsky foi a de reduzir o impacto de sanções associadas a disputas judiciais e políticas internas.

A aprovação, apenas pela Câmara, do projeto de redução de penas dos presos pelo 8 de janeiro, também foi citada como sinal de melhora no ambiente político doméstico. Para analistas, esse episódio serviu apenas para oficializar uma decisão já tomada antes. O tom da nota, inclusive, é criticado por parte da direita, que vê no recuo dos EUA uma contradição após denúncias de violações de direitos humanos e abuso de poder no país.

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Entre os líderes da direita brasileira, o gesto de Washington foi interpretado como derrota simbólica e estratégica, além de vitória pessoal de Moraes e do ativismo judicial. A mudança no cenário externo ocorre em meio a um processo mais amplo de reaproximação entre Brasília e Washington, marcado pelo afrouxamento de barreiras comerciais e por sinais de maior interlocução direta entre Lula e Trump. Mas ainda há muitas questões em aberto.

Nos bastidores do Congresso, a avaliação recorrente é a de que a retirada das sanções contra Moraes não se deu de forma isolada, mas como parte de rearranjo geopolítico mais amplo dos Estados Unidos para a América Latina, envolvendo interesses econômicos, estratégicos e eleitorais.

Analistas, como o jurista André Marsiglia, entendem que, por envolver o interesse econômico do Brasil, questões geopolíticas e até temas de soberania nacional, os termos do acordo firmado entre Lula e Trump deveriam ser investigados pelo Congresso. Ele sugere que a oposição convoque o chanceler Mauro Vieira a dar explicações e, a depender dos indícios, talvez seja o caso de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI).

Para especialista, governo americano continua pressionando forte o Brasil

Daniel Afonso da Silva, professor de Relações Internacionais da USP, avalia com cautela informações divulgadas sobre a “suposta negociação entre Brasil e Estados Unidos” para suspender sanções comerciais e políticas. Segundo ele, as menções a termos colocados na mesa por Washington não oferecem elementos suficientes para identificar quais pontos de fato avançaram, nem se algum deles teve peso decisivo para a mudança de postura de Trump.

“Ao ler o noticiário e as análises da imprensa, fico me perguntando como efetivamente se fez essa suposta negociação. Vejo impressões, ilações, mas não consigo notar materialidade”, afirmou.

Para o pesquisador, a leitura mais ampla do cenário internacional indica que não houve recuo substantivo por parte dos Estados Unidos. Ele ressalta que, embora possa haver ajustes pontuais de retórica ou de ritmo, Washington mantém a estratégia de pressão sobre o governo Lula em diversas frentes, incluindo comércio, alinhamento geopolítico e agendas regulatórias.

“Globalmente, os EUA continuam a pressionar o Brasil. E fortemente, sem efetivo relaxamento”, acrescentou.

Governo e oposição reagiram imediatamente ao anúncio da decisão

A repercussão foi imediata entre aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que atuou nos Estados Unidos em defesa de sanções e vive no país desde fevereiro, afirmou ter recebido a notícia “com pesar”, mas agradeceu o apoio de Trump no processo.

Do outro lado, Alexandre de Moraes celebrou publicamente a decisão. Em evento promovido pelo SBT News na sexta-feira (12), o ministro afirmou que “a verdade prevaleceu”, agradecendo a Lula. “A vitória da democracia. O Brasil chega ao fim do ano dando exemplo de força institucional”, disse

Lula, presente no mesmo evento, afirmou que Trump teria dado um “presente” a Moraes ao reconhecer que não caberia a um presidente estrangeiro punir um ministro da Suprema Corte brasileira. Segundo o petista, o colega americano chegou a questioná-lo se a revogação seria algo bom para ele.

Enquanto governo e STF comemoram o desfecho, a oposição discute novas estratégias. O recuo americano em caso associado a violações graves de direitos humanos deixou um clima de frustração entre críticos da Corte, que aguardam desdobramentos da nova fase geopolítica, sobretudo nas eleições de 2026.

Reações nas redes expõem divisão ampliada na direita após gesto dos EUA

A decisão dos Estados Unidos de suspender as sanções da Lei Magnitsky contra Moraes provocou intensa discussão interna entre os nomes mais influentes da direita brasileira. Os deputados Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Nikolas Ferreira (PL-MG) trocaram acusações nas redes, com críticas à condução política e à estratégia em torno da pressão internacional que buscava punir Moraes.

No centro da tensão está a leitura distinta sobre o fracasso ou sucesso da atuação junto aos Estados Unidos: parte do grupo atribui a retirada das sanções à falta de unidade e apoio interno, enquanto outros questionam a ênfase exagerada na influência externa, reforçando a desconfiança sobre o papel de aliados no exterior e o valor estratégico de tais manobras.  

Em outra frente, o pastor Silas Malafaia criticou setores da direita por reagirem com precipitação ao recuo das sanções, pedindo calma e leitura menos emotiva do episódio. Para ele, conectar diretamente a retirada das sanções a medidas internas — como a aprovação do projeto de lei da dosimetria, que reduz penas de condenados do 8 de janeiro — é uma interpretação equivocada que supervaloriza a política externa americana.

Malafaia chamou a reação impulsiva de “conversa fiada” e defendeu postura mais estratégica e menos dependente de expectativas vindas de fora. Ele também elogiou o comportamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), por sua disposição em aceitar a redução de penas para focar em objetivos mais amplos. Malafaia também criticou a direita pelo que considerou ser falta de disciplina e de visão de longo prazo.

Decisão reflete negociação bilateral e influência de atores econômicos

Natália Fingermann, professora de Relações Internacionais da ESPM, avalia que é possível reconhecer avanços da diplomacia brasileira na reabertura de canais de diálogo e até em uma reaproximação entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos.

Para ela, o anúncio de um programa conjunto de combate ao crime organizado sinaliza um grau de sintonia política e operacional capaz de produzir resultados no médio prazo em áreas sensíveis de cooperação internacional.

A especialista pondera, no entanto, que os desdobramentos mais recentes não podem ser atribuídos apenas à atuação formal do Itamaraty. Segundo ela, outros atores relevantes, fora da esfera estritamente institucional, também tiveram papel importante em episódios como o recuo tarifário e, sobretudo, a suspensão das sanções previstas na Lei Magnitsky.

Nesse contexto, ela destaca a influência do empresário Joesley Batista, do grupo JBS, com forte presença e capilaridade no mercado americano de proteína animal. “Ele foi um ator importante no estreitamento do relacionamento bilateral”, afirmou.

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Para Natália Fingermann, há ainda uma leitura estratégica mais ampla em curso em Washington, relacionada à avaliação do establishment americano sobre os cenários futuros de poder no Brasil.

A percepção de que a família Bolsonaro pode não ser a única alternativa viável de oposição para enfrentar Lula e a esquerda em 2026 teria levado o governo Trump a adotar uma postura mais pragmática.

Essa leitura encontra eco até em manifestações recentes de figuras centrais do PT e da esquerda no geral. Em declaração pública, o ex-ministro José Dirceu alertou que a próxima corrida presidencial brasileira tende a ser marcada pela influência dos Estados Unidos.

Segundo ele, Washington tem atuado de forma coordenada com aliados em diferentes países da América Latina, buscando consolidar hegemonia política da direita na região, o que acrescenta uma camada geopolítica decisiva à disputa eleitoral de 2026.