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Na sexta (12), o clima foi de velório quando os Estados Unidos anunciaram a retirada dos agora ex-violadores dos direitos humanos Alexandre de Moraes e Viviane Barci de Moraes da lista de sancionados pela Lei Magnitsky. Aquela que, segundo Olavo de Carvalho, era “nossa maior ou única esperança de um Brasil livre de comunolarápios”. Houve choro e ranger de dentes. No centro do salão de festas da esquerda, o esquife fechado com o que restou da nossa esperança de nos livrarmos do ministro. Ministro master, ainda por cima!
O presidente dos EUA, Donald Trump, virou imediatamente um traidor. Um vilão. Talvez até um isentão, um limpinho, uma “p*tinha do sistema” – para usar um termo caro a vocês-sabem-quem. Vai saber. O Brasil virou imediatamente uma Venezuela. A realidade virou um interminável pesadelo. Minha reação inicial também foi essa aí, de uma tristeza e indignação que eu sabia serem passageiras. Afinal, a esta altura do campeonato só os tolos muitos tolos se deixam escravizar pela indignação. Ainda mais a indignação instrumentalizada pela direita que se diz antissistema, mas que só existe por causa do... sistema.
Olavo nem sempre tem razão
Rapidamente, comecei a procurar pelo lado bom da medida. Tinha que ter um. Não era possível! Procurei aqui e ali. Acolá também. Na primeira gaveta não estava. Nem embaixo da cama. Será que a Catota engoliu? “Ô, Dani, você viu onde eu deixei o lado bom da retirada do nome do Alexandre de Moraes da Magnitsky?”, perguntei para a minha mulher, que respondeu que devia estar no mesmo lugar onde deixei uma meia suja há seis meses. “Se eu for aí e achar, vou esfregar na sua cara!”, disse ela. E não é que esfregou mesmo?!
Na verdade, o lado bom da retirada de Moraes da Magnitsky deve ter se reproduzido por cissiparidade, porque são vários. A começar pelo mais óbvio: quem sabe agora deixamos (repare na primeira pessoa do plural) de acreditar em soluções mágicas. Ainda mais vindas de fora. E outro, na mesma linha: quem sabe agora deixamos de dar razão a tudo o que disse Olavo de Carvalho. Um sujeito que contribuiu muito e tal, obrigado, mas que estava longe de ser essa perfeição toda que alguns insistem em ver nele. E aqui um lado que não parece bom, mas é: quem sabe agora possamos ter uma noção exata do poder do hómi, de modo a enfrentá-lo com as armas adequadas, e não com bravatas e pen drives. Quem sabe!
(Sem falar nos mal-intencionados, claro)
Quer outro lado bom da recuada histórica do exímio negociador de exuberantes cabelos loiros? Aqui está: a retirada do nome de Alexandre de Moraes e da esposa entre os sancionados pela Lei Magnitsky dá vazão a alguma coisa num inconsciente coletivo dominado pelo medo e pelo cinismo. E faz isso à força, eu sei. Daí o trauma inicial. Mas a gente aguenta. Ainda mais se levarmos em conta que essa medida aí permite (outro lado bom) que rompamos os limites ideológicos, que comecemos a perceber nuances e sobretudo falhas, muitas falhas, falhas aos montes, nessa confiança desesperada que depositamos (primeira pessoa do plural novamente) nos heróis de ocasião.
Por falar em heróis de ocasião, aqui está o lado bom mesmo do que à primeira vista chamei escandalosamente de tragédia: a aparente rasteira trumpista permite que façamos (ppp) um necessário exame de consciência. Será que, até por medo do cancelamento bolsonarista, não cedemos demais ao discurso virulento, intimidador e, digamos, imprudente de certas figuras talvez bem-intencionadas, mas sem condições emocionais e intelectuais (e morais) de conduzir esse processo todo? (Sem falar nos mal-intencionados, claro).
No fim tudo dá certo
Sim, cedemos e, em cedendo, permitimos que essas pessoas manipulassem nossa esperança e, por mais paradoxal que isso possa parecer, nosso desespero. Deixamo-nos seduzir pelo discurso fajuto da indignação permanente. Contra tudo e todos. Uma indignação que, venho insistindo há algum tempo, é estéril e só serve para alimentar o ego já inflado de quem nos promete um paraíso direitista, conservador (na verdade, puritano) e/ou bolsonarista.
Em outras palavras, Trump nos deu na verdade um presente. Nós, que éramos reféns, agora temos a oportunidade de nos livrarmos dos (com todo o respeito) picaretas que, de alguma forma, inclusive financeiramente, só têm a ganhar mantendo você, leitor, nesse estado permanente de revolta. E aqui vou aproveitar a generosidade da sua leitura para fazer um adendo aparentemente à toa e perguntar: se eu lhe dissesse que esse imbróglio dificilmente se resolverá nas próximas duas ou três décadas, ainda assim você continuaria lutando? Eu também. Mas sem essa aflição toda. Afinal, como dizia o pai do Fernando Sabino, no fim tudo dá certo. Se não deu certo, é porque não chegou ao fim.
