ANDREAS VON RICHTHOFEN
Andreas von Richthofen durante uma abordagem de jornalistas. (Foto: Reprodução/ Twitter)

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Suzane von Richthofen está feliz. Ela, que já era celebridade antes da série “Tremembé”, agora está lucrando com a nova legião de admiradores de psicopatas. Consta que a “Su” está vendendo (e aos montes!) sandálias customizadas. Do jeito que as coisas andam neste país, não vou me espantar se encontrá-la em breve num comercial de Havaianas. Mas chega de Suzane, porque meu objetivo neste texto é falar da maior vítima (e do personagem mais interessante) dessa história toda: Andreas von Richthofen.

Andreas tinha 15 anos quando o crime que vitimou seus pais foi cometido. Daquela forma brutal, seguido por um desfecho ainda mais dramático: a descoberta de que a mandante do crime era a irmã. E é essa a história na qual todos deveriam estar interessados. Essa história é que deveria ter rendido filmes e séries: a da vítima colateral de um parricídio planejado pela irmã. Que ficou famosa, virou até símbolo sexual e ainda teve a pachorra de disputar com o irmão a herança dos pais cujo assassinato ela planejou.

Imagine

Imagine. Apenas imagine como deve ser difícil para um homem de 38 anos, que vive isolado num sítio no interior de São Paulo, ter que conviver com essa lembrança. Suponho que ele não assista a aberrações como “Tremembé” ou “A Menina Que Matou os Pais”. Mas, se assistir, imagine. Imagine o suplício que deve ser reviver aquela noite, o enterro dos pais e a prisão da irmã e dos assassinos. E ainda por cima saber que seu pesadelo é um sucesso de público. Só imagine.

Eu imagino todas essas coisas e só consigo pensar no “Livro de Jó”. Aí me lembro das notícias sobre Andreas von Richthofen sendo preso depois de surtos psicóticos, do suposto uso de drogas, do isolamento, de uns canalhas querendo explorar a parte mais superficial do drama pessoal dele e de umas raras imagens do homem condenado a perder e reperder os pais na tela da TV. E só consigo pensar no “Livro de Jó”. Nessa cruz que, espero, alguém o esteja ajudando a carregar.

Por quê?

Mas aí você talvez se pergunte, como eu me pergunto, por que os roteiristas e escritores preferem contar a história da assassina a contar a história de Andreas von Richthofen e seu aparente fracasso em viver uma vida normal depois de tudo. E, até onde sabemos, ele tentou e tenta. Outra coisa: por que as pessoas preferem sentir raiva da assassina nas telas a compartilhar e refletir sobre a dor, o drama, a confusão, a complexidade de um personagem insuportavelmente trágico como Andreas?

A resposta para a segunda pergunta é que é mais fácil julgar, condenar e sentir raiva de uma assassina. Fácil e até prazeroso. Há algo de catártico nisso. Já a primeira pergunta para mim ainda é um enigma. Porque sou do tempo em que o objetivo de todo artista era explorar (explorar dignamente) a alma humana em toda a sua profundidade. Inclusive na capacidade extraordinária de suportar um sofrimento para mim inimaginável, como parece ser o caso de Andreas von Richthofen. Que, se por acaso chegar a ler este texto, espero que saiba: rezo por você.