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Estou lendo um livro daqueles. Trata-se de “Conhecer-se”, do padre Joaquim Malvar Fonseca. É um livro diminuto e denso, de menos de 80 páginas, mas que se lê com lentidão, e que fala justamente dessa necessidade de a gente se conhecer, se conhecer profundamente. E conhecer principalmente nossos pontos fracos, a fim de que possamos nos tornar pessoas melhores. O livro é voltado para o indivíduo, claro. Mas algumas coisas podem se aplicar a grupos e foi por isso que eu pensei em vocês, da direita.
O “vocês” me exclui, eu sei. É uma provocação. Porque este é um dos meus defeitos, mas não o maior deles: adoro provocar (coitada da Dani) e sempre parto do pressuposto de que o outro, ou seja, você está disposto a ser provocado. Para mim (sei lá, talvez eu seja um degenerado), a provocação é um meio de nos confrontarmos com nossas certezas. Inclusive as que usamos para justificar nossas falhas. E quem não quer alicerçar sua casa sobre a pedra em vez da areia? Eu quero, ora!
Indignação estéril e inquietude impotente
Mas esse sou eu e o padre Joaquim é outro. Tanto que ele começa o livro reconhecendo que nossa tendência é fugir da pergunta “como é que eu sou?”. Se eu lhe perguntar agora, por exemplo, você dará meia dúzia de respostas evasivas. Até porque, diz o autor, você se desconhece. Eu me desconheço. Nós nos desconhecemos. Porque se conhecer pressupõe aceitar um fato incontornável (passei o ano inteiro contornando o “incontornável”, mas hoje não deu): temos muitos defeitos. Defeitos que só nós podemos corrigir. Mas como corrigir o que não reconhecemos como defeito? Aí é que está o busílis.
Então o autor lista uma série de obstáculos ao conhecimento dos próprios defeitos. Foi nesse ponto, aliás, que este texto começou a nascer, porque percebi que muitos dos obstáculos se aplicam a este grupo que chamamos de “direita” e que agora está dividida e magoada e perdida e desesperançada. Entre os obstáculos estaria o ativismo – quase um voluntarismo. Ou o que o filósofo Byung-chul Han chamaria de “excesso de positividade”, talvez. Algo que, na direita, nada mais é do que uma faceta da indignação estéril e da inquietude impotente. Essa coisa de fazer e acontecer, de agir por impulso, de falar bobagem em troca de likes, de se distrair com sonhos revolucionários. Quando não de se apegar a esperanças tolas. Vide a Magnitsky.
Fica, vai ter bolo!
Outros obstáculos seriam a autossuficiência, isto é, a incapacidade de reconhecer que às vezes erramos e nos enganamos. Acontece, ué. Ah, se acontece. Tem ainda a incapacidade de ouvir, que dispensa maiores explicações. Tá me ouvindo?! E a loquacidade, que nada mais é do que não saber a hora de fechar a boca. De se voltar para dentro de si, da sua essência (sim, a direita tem uma), e responder: “por que é que estou falando isso?”. E ainda mais assim, falando sem pensar, só para provar que você está certo e o outro errado – eu acrescentaria.
Em seguida, o autor nos convida a fazer um exame de consciência. Ei! Você. É, você mesmo. Fica, por favor. Continua lendo. Sei que esse negócio de exame de consciência é complicado. Que a gente não gosta de fazer e tal, porque fazer um exame de consciência significa se deparar com defeitos e mais defeitos. E mais defeitos. Mas, tanto na condição de indivíduos quanto na de grupo político, de vez em quando a gente precisa mesmo parar, refletir, reconhecer erros e acertos. E o mais importante: investigar o porquê dos erros e dos acertos. Por mais que nos doa e dói.
Aceitação & pertencimento
Do contrário, acabamos caindo no cômodo subjetivismo que busca justificar nossos erros com desculpas rotas. Tipo, “foi ele quem começou” ou “o outro lado também faz” ou “na política não tem certo e errado; tem vencedor e perdedor”. Ou, pior, acabamos nos habituando ao erro politicamente justificável, até o dia em que nos convencemos de que roubar ou mentir ou ofender só é condenável na esquerda. Se é que você me entende.
Daí porque tenho dito a torto e à direita (sic) que este momento, que parece ser um momento de derrotas, só derrotas, talvez seja uma oportunidade disfarçada. De nos livrarmos de arrivistas, como disse num texto anterior, sim! Mas também de olharmos para dentro de nós e nos perguntarmos: afinal de contas, por que digo que sou de direita? O que significa essa minha identidade? Que valores defendo realmente? E mais: até que ponto minhas afinidades ideológicas com este grupo refletem não meus valores, e sim minha necessidade de aceitação e pertencimento? Essa, aliás, talvez seja a pergunta mais importante de todas.
Propósito
Se conhecer. Saber quem se é, o que se faz e por que se faz. Será que a direita age como age porque tem medo de virar uma Venezuela, por exemplo? Ou porque acredita realmente nos valores apregoados por seus líderes? Que valores são esses? O que é e não é negociável na busca por consensos? Se a direita é diferente da esquerda, deve ter um porquê. Qual seria esse porquê? Ou será que nos perdemos na balbúrdia generalizada e hoje em dia não temos a menor ideia do porquê de estarmos lutando? E assim por diante, até cansar.
Porque realmente cansa. São perguntas difíceis. Muitas delas incômodas. Algumas, se respondidas com honestidade, talvez o surpreendam. (Me surpreenderam). De qualquer forma, são perguntas que a direita, individual e coletivamente, pode e deve fazer para se conhecer melhor. Porque só assim, se conhecendo, a gente (agora me incluí, veja só) conseguirá se livrar do personalismo e principalmente dessa estratégia fracassada de reagir com o que chamei de indignação estéril e inquietude impotente ao que quer que a esquerda faça. Só assim a direita terá uma personalidade capaz de recuperar o poder. E recuperar com um propósito.
