Um hater comentando uma coluna que defende a liberdade de expressão é um fenômeno interessantíssimo. Parece estar ali exatamente para provar que a liberdade de expressão precisa ser limitada mesmo (Foto: Imagem criada utilizando Open AI/Gazeta do Povo)

Ouça este conteúdo

O clima natalino nos traz nostalgia. Lembrei que, antes mesmo de começar a escrever, pensei que este dia chegaria. Trata-se de algo inevitável para quem quer que escreva e publique algo, seja em um jornal ou mesmo nas redes sociais: atrair algum hater para chamar de seu. E esse dia chegou.

Convenhamos: não trato aqui, nesta coluna, de um assunto lá tão atrativo. Falar – especialmente defender – liberdade de expressão é um tema ingrato. Parece afastar leitores como o alho afasta vampiros nos filmes antigos. Fico felicíssima com os leitores abnegados que dedicam seu precioso tempo para ler meus textos – ainda mais entre tantos colunistas de peso que escrevem na Gazeta. Mais ainda quando leio comentários de gente que entende meu ponto de vista, que concorda ou discorda racionalmente, inclusive aqueles que criticam de forma inteligente.

Um hater comentando uma coluna que defende a liberdade de expressão é um fenômeno interessantíssimo. Parece estar ali exatamente para provar que a liberdade de expressão precisa ser limitada mesmo

Dá um quentinho no coração saber que a liberdade de expressão importa – ainda que para menos gente do que deveria –, mas importa. E que, sim, existem pessoas que sabem debater, sabem discordar, sabem ser críticas sem serem boçais. É disso que precisamos, aliás: gente que tenha sua posição, aceite que há outros com posições diferentes e ainda acredite que o debate pode ser civilizado.

Mas, para quem é hater, nada disso importa. A questão é tentar desmerecer o colunista, dizer que ele está sempre errado, independentemente do que escreva. Só o fato de o colunista ser quem é já o desabilita a ter qualquer razão. Aí, qualquer coisa que a gente escreva, o hater, ainda que não leia – ou pelo menos não entenda –, sempre vai jogar pedras, sempre vai procurar uma palavra mal colocada, tentar enxergar maquinações ocultas, alianças escusas, o que quer que seja.

Um hater comentando uma coluna que defende a liberdade de expressão é um fenômeno interessantíssimo. Parece estar ali exatamente para provar que a liberdade de expressão precisa ser limitada mesmo – melhor seria simplesmente bloquear o sujeito que está ali só para nos aporrinhar. Que tal silenciar cada ser humaninho que implica com a gente? Que é chato, boçal, ignorante, uma ofensa às antas? Tal tentação é bem presente em nossa vida. Todo mundo já quis calar a boca de outra pessoa. Faz parte da imperfeição humana.

Esse é o maior teste da liberdade de expressão: aceitar que nem toda expressão será bonitinha, bem argumentada, inteligente e civilizada – e muito menos concordará com a nossa. Não vai. Há haters, ogros, trolls, quadrúpedes de toda espécie – e faz parte. Querer eliminar o direito de expressão de alguém só porque não gostamos do que foi dito é coisa de juiz supremo que se acha acima do bem e do mal e se considera deus.

VEJA TAMBÉM:

Nós, humanos, falíveis e pequenos – e que nem de longe nos achamos perfeitos –, precisamos aceitar que sempre haverá opiniões discordantes das nossas e que sempre haverá gente incapaz de debater, que só sabe debochar ou atacar sem razão: o hater.

Seria mais fácil o hater, que odeia por tabela tudo o que escrevo e não tem nenhum interesse em debater civilizadamente, simplesmente deixar de ler o que escrevo? Sim, mas aí vai da liberdade de cada um. Ainda não desvendamos os segredos que o hater traz em algum canto obscuro do interior do seu coraçãozinho de hater. Se ser hater lhe faz feliz – e desde que sua haterice se manifeste apenas como haterice –, quem somos nós para demovê-lo? Que seja ogro e seja feliz, pelo menos. E viva a liberdade de expressão.

***

Aos meus queridos leitores (incluindo você, meu hater), desejo um feliz e abençoado Natal. Voltamos em janeiro com mais textos para debater – ou odiar, no seu caso, querido hater.