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A rápida expansão do trabalho mediado por aplicativos de entrega no Brasil tem gerado um intenso debate sobre seus efeitos econômicos e sociais. Embora muito já se tenha discutido sobre as características inerentes a essa modalidade de trabalho, ainda há pouco consenso sobre o impacto mais amplo dessas plataformas na vida urbana. O estudo The Gig Economy and Crime in Brazil busca justamente preencher essa lacuna, ao investigar de que forma a entrada do iFood em diferentes cidades paulistas afetou os índices de criminalidade.
Entre 2010 e 2019, a plataforma chegou gradualmente a municípios do estado de São Paulo, o que permitiu comparar cidades que já tinham o serviço com outras que ainda não haviam recebido o aplicativo. Essa variação temporal e espacial serviu de base para uma análise econométrica robusta, usando o método de diferenças em diferenças, que identifica mudanças nos padrões de criminalidade após a chegada do iFood.
O trabalho por aplicativo pode alterar os incentivos individuais ao reduzir a atratividade da atividade criminosa
Os resultados são consistentes e de magnitude expressiva. Em média, a presença do aplicativo reduziu a criminalidade patrimonial em 10,4% por município, o que equivale a cerca de 529 ocorrências a menos por ano. O efeito foi mais forte para furtos, com queda de 17%, mas também se estendeu a crimes violentos, como roubos com uso de arma, que diminuíram em cerca de 4,5%. Esses achados sugerem que o trabalho por aplicativo pode alterar os incentivos individuais ao reduzir a atratividade da atividade criminosa.
Em contextos de alta vulnerabilidade social, o acesso a uma fonte de renda imediata e flexível aumenta o custo de oportunidade do crime: pessoas em situação vulnerável passam a ter alternativas viáveis de ganho lícito. Essa interpretação é reforçada pela evidência temporal — a redução dos crimes é mais acentuada nos horários de maior demanda por entregas, como almoço e jantar, quando as oportunidades de renda via plataforma são mais altas.
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O estudo também mostra que os efeitos não se distribuíram de forma homogênea. A queda na criminalidade foi mais intensa nos bairros tradicionalmente mais afetados por violência e desemprego. Isso indica que a expansão de oportunidades de trabalho mediadas por aplicativos pode contribuir, ainda que indiretamente, para reduzir desigualdades urbanas em segurança. É importante notar que não há evidências de deslocamento de crimes para outras regiões — a redução observada parece representar um ganho líquido, e não apenas uma transferência espacial.
Esses resultados oferecem novas perspectivas sobre a relação entre mercado de trabalho e segurança pública em economias em desenvolvimento. Em um contexto de desemprego estrutural, políticas que ampliem o acesso a formas flexíveis de trabalho podem gerar efeitos sociais relevantes além da renda. Ao mesmo tempo, é essencial reconhecer que esses efeitos não substituem políticas de geração de renda ou de segurança pública, mas ajudam a entender como novas formas de trabalho podem interagir com desafios sociais complexos.
Isadora A. Frankenthal é doutoranda em Economia no MIT e mestre em Ciências Aplicadas em Dados, Economia e Política de Desenvolvimento.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos