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A Araucária representou entraves para as empresas da construção civil durante anos por ser uma árvore protegida pela Lei Federal nº 11.428, o que restringia as ocupações urbanas. Quase 20 anos após a proibição do corte, a Araucária assume um novo papel: deixa de ser obstáculo técnico e passa a ser elemento estruturante da arquitetura contemporânea. A paisagem original entra no centro do projeto, e essa mudança acompanha a valorização das espécies nativas. O território não precisa ser apagado e a arquitetura passa a dialogar com o que já existe.
A reconexão entre pessoas e natureza ganha força no mercado imobiliário. Nesse cenário, a Araucária assume uma função ecológica ativa. “São conceitos que ampliam o papel da sustentabilidade para além da mitigação de impactos, promovendo recomposição ecológica”, define o engenheiro civil, Iago de Oliveira, consultor de sustentabilidade e sócio fundador da consultoria Bloco Base. “Quando trazemos espécies nativas, em risco de extinção, que sejam polinizáveis e frutíferas, transformamos o espaço construído em uma ferramenta de regeneração do ecossistema local”, complementa.
O engenheiro civil defende também a manutenção dos espécimes já existentes e a adesão de novas unidades. “Isso é fundamental para a conservação das relações ecossistêmicas que já existem, mas também é relevante a inclusão de novas mudas de Araucária nos projetos, contribuindo para a preservação a longo prazo da espécie e fortalecendo a variabilidade genética entre elas”, ressalta.
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Em Curitiba, a Araucária ganha espaço e incentivo para manutenção
Em Curitiba, essa lógica se materializa em novos empreendimentos com a árvore símbolo do Paraná, que passa a ganhar centralidade nos projetos. Assim, a Araucária orienta as escolhas desde as etapas iniciais.
Um exemplo é o residencial Kóra, das incorporadoras AGL e ALTMA, que preserva uma Araucária existente. A árvore estrutura todo o conceito paisagístico do projeto na capital do Paraná. O Refúgio da Araucária nasce como espaço de contemplação urbana. Ali, o pinheiro-do-Paraná define fluxos e experiências.
“A Araucária tende a ser ‘demonizada’ em projetos por conta da área de preservação que institui”, afirma o arquiteto Andrei Crestani, da Urbideias – estúdio que assina o projeto. “Para nós, ela é um marco da história da paisagem do estado. [...] Por isso, decidimos colocá-la no centro das decisões conceituais, funcionais e de experiências”, completa.
Na capital paranaense, a Araucária também influencia políticas públicas. A legislação municipal prevê incentivos à preservação. O decreto nº 597/2023 garante benefícios construtivos a quem preserva as árvores. Além disso, a cidade carrega o nome do símbolo paranaense em sua origem. Em guarani, Curitiba significa “grande quantidade de pinheiros.”

Na Serra da Mantiqueira, Araucária tem protagonismo na arquitetura
Na Serra da Mantiqueira, a Araucária também orienta os projetos. Em Campos do Jordão (SP), a Casa das Araucárias nasce integrada à paisagem e ao clima serrano, que definem o ritmo da arquitetura. Nesse modelo, a obra se adapta à árvore. O resultado reforça identidade e pertencimento.
"Na Casa das Araucárias, o ponto de partida do projeto foi o respeito absoluto ao lugar. Entendemos que a arquitetura deve se integrar à paisagem existente, e não se impor a ela. Preservar as araucárias — algumas centenárias e símbolo da região, hoje ameaçadas de extinção — foi uma premissa fundamental", afirma a arquiteta Chantal Ficarelli, do escritório Arkitito, que assina o projeto.
Os espaços externos surgem entre troncos e copas. e a Araucária organiza a ocupação do terreno. “Os volumes foram dispostos de maneira a abraçar as árvores e aproveitar os desníveis para criar espaços externos únicos e privativos”, explica a arquiteta.

Cuidados técnicos devem orientar a manutenção das Araucárias nas obras
Integrar uma Araucária exige precisão técnica. Árvores de grande porte demandam planejamento específico com atenção à preservação desde o canteiro de obras.
"Em um temporal, se cai um galho de uma Araucária, é como uma flecha perfurando uma cobertura", alerta a arquiteta Karin Lauer, do escritório Wunder Haus, no Rio Grande do Sul. "Há cuidados que devem ser tomados até para que a própria obra não seja a razão da morte da Araucária. Ela precisa de cuidados quanto ao que pode ser feito no entorno", alerta a arquiteta.
Além do risco físico, existe a fragilidade biológica. A Araucária responde a alterações no solo e na drenagem. Cada decisão interfere na sua sobrevivência. "Mesmo com a fiação elétrica subterrânea é necessário cuidado. Paisagisticamente, é uma escultura, algo incrível", completa Lauer.

Apenas 4,3% da floresta das Araucárias original permanece em pé
A Araucária marca a identidade do Sul do Brasil. A floresta Ombrófila Mista, como é conhecida a Floresta de Araucárias, sobrevive em fragmentos. Antes, ocupava cerca de 200 mil quilômetros quadrados. Atualmente, apenas 4,3% da floresta original permanece em pé. Isso equivale a cerca de 1,2 milhão de hectares. Os dados constam em estudo da revista Biological Conservation.
Outro alerta dos autores recai sobre a proteção insuficiente da floresta remanescente. Dos 1,2 milhão de hectares ainda existentes, apenas 13,5% estão oficialmente protegidos. O estudo indica que os dez maiores fragmentos de florestas de Araucárias seguem vulneráveis, já que 68% dessas áreas permanecem fora de zonas de proteção efetiva.

