Manifestação da esquerda contra o PL da dosimetria na avenida paulista reuniu 13,7 mil pessoas, segundo a USP. (Foto: Isaac Fontana/EFE)

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Artistas e intelectuais têm feito um percurso curioso na história recente. Suas ações como classe têm estado cada vez menos próximas da relevância política e cada vez mais próximas do anedotário. 

A notícia mais recente desse tipo de ação folclórica foi o anúncio de uma espécie de dissidência no evento literário Hay Festival, na Colômbia. Pelo menos três escritores cancelaram sua participação, em protesto contra a presença de Maria Corina Machado na programação. Maria Corina acaba de receber o prêmio Nobel da Paz por sua luta contra a ditadura de Nicolás Maduro, na Venezuela.

Mas o protesto dos escritores é contra o “fascismo”. Fica cada vez mais difícil encontrar o ponto de conexão entre a suposta consciência política desses intelectuais e a realidade dos fatos. Fica difícil convencer alguém da sua luta contra o fascismo se entre um Nobel da Paz e uma ditadura violenta você faz a segunda opção. Mas esses bravos ativistas da democracia imaginária não estão sozinhos. 

A nossa democracia - ou a deles - é hoje liderada por um grupo político que tem aliança histórica com o regime de Nicolás Maduro

Num showmício na Praia de Copacabana, cantores de MPB e celebridades mais ou menos célebres fizeram a sua parte nessa caminhada para o indefensável - com direito a palavra de ordem pedindo a cabeça do presidente da Câmara dos Deputados. A ideologia dos artistas em questão é proteger o regime que atualmente manda no Brasil. Se o Congresso eventualmente contraria esse regime, pior para o Congresso.

A motivação do ato foi repudiar um projeto para redução de penas de condenados por tentativa de golpe de estado. No referido episódio, pessoas comuns desarmadas entraram andando nos palácios do poder central sem qualquer resistência das forças de segurança. Um atentado exótico. Os cantores, as celebridades e subcelebridades querem que essas pessoas comuns não recebam qualquer atenuante por parte do parlamento. Dizem que isso colocará a nossa democracia em perigo. 

A nossa democracia - ou a deles - é hoje liderada por um grupo político que tem aliança histórica com o regime de Nicolás Maduro. Os artistas e intelectuais preocupados com a integridade das instituições democráticas nunca se manifestaram contra a aliança do PT com a ditadura chavista. Ao contrário, hipotecaram apoio incondicional a Lula e seus parceiros - mesmo no auge da Lava Jato. Quem tem amigos, tem tudo.

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O ex-líder do Pink Floyd Roger Waters é uma espécie de amálgama desse proselitismo cultural. Seja qual for o país ou o contexto político, ele sempre se coloca naquele lugar seguro do álbum de figurinhas ideológico - de onde poderá esbravejar contra os perigos da “direita”, seja lá o que isso signifique. Foi assim que ele gravou um vídeo assustador contra Maria Corina Machado - destilando ódio contra a mulher que simboliza a resistência ao regime brutal de Maduro. Corajoso, o Rogerinho. 

De vídeo em vídeo, de showmício em showmício, de abaixo-assinado em abaixo-assinado, uma quantidade bastante expressiva de artistas e intelectuais vai mostrando ao Brasil e ao mundo que suas causas são as suas conveniências. O humorista inglês Ricky Gervais já expôs esse tsunami demagógico numa solenidade do Globo de Ouro. Basicamente, ele disse que as estrelas “engajadas” ali não estavam em condições de dar lição de vida a ninguém. Não deixa de ser um consolo constatar que a hipocrisia não é unanimidade.