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Na falta de ideias de temas originais para seus trabalhos, pesquisadores progressistas de universidades brasileiras encontraram um porto seguro ao qual recorrer: assistir a documentários da Brasil Paralelo (BP) e criticá-los em linguagem acadêmica.
A empresa se tornou um dos vilões favoritos de teses, artigos e dissertações em cursos de humanidades do ensino superior brasileiro. Só em 2025, um levantamento feito pela Gazeta do Povo pelo Google Acadêmico contabilizou mais de 90 trabalhos com tom crítico à BP.
O volume de artigos publicados nos últimos anos é tão grande que, em setembro deste ano, uma pesquisadora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) publicou uma revisão da literatura sobre o tema. Todos os trabalhos analisados são críticos à Brasil Paralelo.
O artigo, intitulado "A produção acadêmica das ciências humanas sobre a produtora de extrema-direita Brasil Paralelo", avalia 27 pesquisas feitas entre 2019 e 2024. Ao longo do texto – que revela uma predominância de trabalhos sobre a Brasil Paralelo nas áreas de história e comunicação –, a própria autora da pesquisa trata a BP com repugnância, como já denota o "extrema-direita" no título do trabalho.
A adjetivação militante, aliás, é uma marca da onda de obras acadêmicas contra a BP. Termos como "neofascista", "ultraconservador", "revisionista", "conspiracionista", "negacionista" e até "nazista" são usados para etiquetar a Brasil Paralelo, muitas vezes sem que haja relação objetiva clara entre o assunto que está sendo tratado e o rótulo escolhido.
Um trabalho publicado em janeiro deste ano na Mneme - Revista de Humanidades, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, diz que o documentário "O Fim da Beleza", da Brasil Paralelo, ecoa "retóricas autoritárias do passado, como as do regime nazista".
No periódico Cadernos da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais, em um trabalho intitulado "Como o nazismo é ensinado aos jovens do século XXI?", pesquisadoras da UFRJ citam a BP como exemplo que favorece a ascensão da ideologia mencionada no título do trabalho.
Tradicionalmente, pesquisas acadêmicas se diferenciavam de outras formas de discurso justamente pela abertura de espírito e pela disposição de compreender o objeto estudado com rigor e objetividade, evitando pré-julgamentos. Isso mudou especialmente nas últimas décadas.
Brasil Paralelo vira curinga para militância em diferentes áreas
As pesquisas sobre a BP focam especialmente em temas mais polêmicos de documentários, como feminismo, aborto, crise da educação, ditadura, Brasil Império, meio ambiente e segurança pública.
Vários trabalhos saem em defesa, por exemplo, do educador Paulo Freire, alvo frequente de obras da BP nos últimos anos. Um deles, em espanhol, publicado em 2025 no periódico "Chasqui: Revista Latinoamericana de Comunicación", é todo dedicado a uma análise do documentário "A Face Oculta de Paulo Freire".
"Os resultados mostram um padrão sistemático de distorção emocional e argumentativa destinado a desgastar o pensamento crítico associado a Freire", afirmam os pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e da Universidade Petrobras.
Historiadores são os que mais se ressentem dos conteúdos da BP. Em 2024, uma revista acadêmica de história da Universidade Estadual Paulista (Unesp) publicou um artigo de um pesquisador da Universidade Federal do Piauí sobre o documentário "A Última Cruzada", da BP. O autor define a produção como "um projeto de futuro derivado de uma narrativa revisionista que procura (re)construir uma identidade nacional brasileira pelo viés supremacista".
Em 2020, um artigo na Revista UFG definiu as produções históricas da empresa como parte de um "revisionismo histórico" voltado à "educação para a barbárie". No resumo, os autores afirmam, que as produções da BP "encampam um projeto anticientífico de barbarização que corrói por dentro uma democracia frágil e instável como a brasileira".
Em 2021, uma dissertação de mestrado em História da Unioeste descreveu a BP como "um aparelho privado de hegemonia à [sic] serviço de frações burguesas conservadoras, reacionárias e de marcas fascistas no Brasil recente".
Outras teses de mestrado recentes em História têm a Brasil Paralelo como foco. Em 2023, um pesquisador da Universidade Federal Fluminense (UFF) entregou a dissertação "Histórias e mitos de um 'Brasil Paralelo': um aparelho de ação político-ideológica na 'guerra cultural' da nova direita". Em 2024, um pesquisador da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) publicou a tese "Formas de representação do passado em meio à crise de historicidade: o Brasil Paralelo e sua cruzada contra a história".