
Ouça este conteúdo
O Brasil atravessa um momento de dissonância macroeconômica. À primeira vista, os indicadores de curto prazo oferecem um alívio e, após meses de volatilidade e dúvidas, as condições parecem convergir para permitir cortes na Selic a partir de janeiro de 2026.
No entanto, seria um erro confundir essa calmaria cíclica com estabilidade. O cenário econômico traz incertezas profundas: se nada for feito, a dívida do Brasil ultrapassará 90% do PIB em 2027–28, patamar incompatível com uma economia emergente que cresce pouco e carrega uma dívida cara e curta.
O ambiente externo oferece alívio, visto que a moderação das taxas e a redução da volatilidade das Treasuries ampliaram o apetite ao risco e trouxeram fluxos. Em teoria, este seria o cenário ideal para uma apreciação mais robusta da moeda brasileira, em torno de R$ 4,75 a R$ 4,50 por dólar.
Mas o prêmio de risco do país limita esse potencial. Mesmo com espaço para ganhos pontuais do real, projetamos que o dólar encerre o ano próximo de R$ 5,50, pressionado pelas remessas no fim do ano e pelos crescentes déficits gêmeos. Além da dívida, 2025 marcará uma escalada no déficit em conta corrente, que atingiu um volume próximo ao do investimento direto.
A sociedade e os políticos precisam compreender que o ajuste fiscal não é um debate técnico, mas uma escolha política com implicações sociais profundas
No front monetário, é essencial observar que a queda projetada da inflação no horizonte relevante, combinada à Selic em 15%, provoca um “aperto passivo”. À medida que a inflação futura cede, o juro real ex ante se eleva, tornando a política monetária mais restritiva. É com base nisso que mantemos a avaliação: o Copom iniciará o ciclo de cortes em janeiro de 2026, com 50 pontos-base, conduzindo a Selic para um patamar entre 10% e 11% no fim de 2026.
Todavia, nenhum alívio monetário altera nosso drama: o Brasil tem um encontro marcado com a restrição orçamentária em 2027. A deterioração das contas é evidente, pois a manutenção de déficits primários próximos de 1% do PIB levará a relação dívida/PIB a um salto de 13 p.p. até 2026.
Um ajuste crível pode trazer os juros para perto de 5%, viabilizando a estabilidade da dívida com um superávit primário de 2% do PIB. É conveniente lembrar que o arcabouço fiscal obteve um voto de confiança, e as taxas longas marcaram 5,32% em 2023, antes que as metas fossem revisadas e o governo passasse a excluir despesas da conta.
Até meados de 2026, os riscos tendem a permanecer contidos pela liquidez global, mas, com a campanha eleitoral, a política fiscal assumirá protagonismo na formação dos preços dos ativos. Nesse contexto, as eleições serão cruciais, pois, à medida que se aproximarem, a correlação dos ativos brasileiros com o ciclo global diminuirá, dando lugar a uma sensibilidade crescente à percepção dos riscos fiscais.
VEJA TAMBÉM:
O próximo presidente herdará uma bomba, o que vai requerer diagnóstico, vontade política e capacidade para articular um pacto entre Executivo, Legislativo e Judiciário para viabilizar superávits primários críveis e politicamente viáveis.
A sociedade e os políticos do Brasil precisam compreender que o ajuste fiscal não é um debate técnico, mas uma escolha política com implicações sociais profundas. Por isso, independentemente da ideologia, quem for eleito precisará buscar um ajuste antes que a dívida deflagre uma crise. Sem isso, reviveremos o quadro de 2014–2016. A campanha será um termômetro para aferir a disposição dos candidatos em construir legitimidade para o ajuste necessário.
Alexandre Mathias, mestre em Economia pela FGV-SP e graduado em Economia pela Universidade de São Paulo, é estrategista-chefe da Monte Bravo.