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Ampliar as conexões com a China, para além dos resultados já expressivos alcançados em 2025: 3.966 matrículas em cursos de língua chinesa, 1.182 exames de proficiência realizados, mais de 25 atividades culturais, com cerca de 50 mil participantes, e mais de 50 delegações chinesas recebidas ao longo do ano.
Este é o objetivo declarado da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), que desde 2008 mantém, via universidade de Huei, uma parceria com o Instituto Confúcio, uma organização criada pelo governo chinês quatro anos antes. Atualmente, a iniciativa chinesa parte de uma rede internacional de mais de 500 unidades, presentes em 146 países, “que têm por missão o ensino e a promoção da língua e da cultura chinesa”, segundo a página oficial.
O intercâmbio com a instituição paulista é estendido, via convênios, à Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e à Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Mas outras universidades brasileiras, principalmente públicas, mas também privadas, mantêm parcerias próprias com o Instituto Confúcio – a lista inclui Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade de Brasília (UnB).
No caso da Unesp, o incentivo ao intercâmbio com instituições de ensino e pesquisas chineses já se tornou tradição, como informa uma notícia publicada, em novembro de 2024, na página oficial da instituição: “Nos últimos tempos tem se tornado uma espécie de tradição que, ao final do ano, a Unesp envie uma delegação de representantes à China. A principal motivação para essas visitas é a participação da universidade na reunião anual do Instituto Confúcio, mas a agenda em geral costuma incorporar também reuniões com instituições de ensino e pesquisa do país asiático, no intuito de prospectar possíveis parcerias no âmbito acadêmico e científico”. No conteúdo que consta do site da Unesp, o reitor, Pasqual Barretti, concedia uma entrevista em que dizia: “Podemos ser a universidade parceira número um da China”.
Um ano depois, em novembro de 2025, a atual reitora da instituição, Maysa Furlan, também visitou o país. Foi recebida pelo reitor da Universidade Jiao Tong de Xangai, Ding Kuiling. Na Universidade de Huei, anunciou a criação do curso de graduação em Língua e Cultura Chinesa no campus de Assis (SP), previsto para ter início já no segundo semestre de 2026.
Quantos estudantes brasileiros a Unesp envia ao território chinês? “Apenas para o aprendizado da língua, via Instituto Confúcio, em média, 50 alunos por ano, mas há outros acordos de cooperação em áreas específicas, sobretudo na área de tecnologia, com universidades chinesas, que também contemplam intercâmbio de professores e alunos”, responde Luis Antonio Paulino, diretor do Instituto Confúcio na Unesp.
Reação nos países desenvolvidos
Em pouco mais de duas décadas de existência, o instituto galgou espaços em centros universitários de todo o mundo. Como descreve a jornalista Madeleine Lacsko em artigo para a Gazeta do Povo, a escolha do nome é curiosa: “O Partido Comunista Chinês atacou sistematicamente Confúcio nas décadas anteriores porque ele representava tudo o que a Revolução Cultural queria pisotear: valores conservadores, hierárquicos e patriarcais. Mas o China Post, jornal independente de Taiwan, explicou por que este foi o nome dado à instituição: ‘Certamente, a China teria feito poucos progressos se os tivesse nomeado como Institutos Mao, ou até mesmo os Institutos Deng Xiaoping, mas, ao tomar emprestado o nome Confúcio, criou uma marca que foi imediatamente reconhecida como um símbolo de cultura chinesa, radicalmente diferente da imagem do Partido Comunista’.”
Com o passar do tempo, uma série de países desenvolvidos passou a proibir, restringir ou retirar financiamento de suas atividades. A lista inclui Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Suécia, Austrália, França e Espanha – a jornalista e documentarista chinesa que vive no Canadá, Doris Liu, mantém uma lista atualizada das dezenas de instituições que deixaram de manter vínculos com o instituto. Além disso, a organização Human Rights Watch recomenda fortemente que universidades de todo o mundo evitem alimentar quaisquer conexões com a entidade chinesa.
“Rivalidade estratégica”
“A Unesp mantém acordos de cooperação com centenas de universidades em todo o mundo. A parceria com o Instituto Confúcio se insere nesse contexto na medida em que, pelo ensino da língua, facilita o intercâmbio científico com universidades chinesas que hoje lideram pesquisas em setores de ponta de interesse do Brasil e da Unesp como, por exemplo, transição energética”, afirma Paulino, que é supervisor convidado do programa Master of Teaching Chinese Language to Speakers of Other Languages (MTCSOL) da Universidade de Hubei, onde também atua como pesquisador do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Hubei.
Sobre a lista de países que vem restringindo as atividades do instituto, o diretor declara: “Trata-se de decisões políticas, no contexto da rivalidade estratégica entre potências ocidentais e China, na medida em que a China vai tomando a dianteira em inúmeras tecnologias que, na visão desses países, colocam em risco sua hegemonia econômica e tecnológica”.
A medida é ineficaz, argumenta ele. “A China, em termos de tecnologia, alcançou um ponto de não retorno e não serão medidas desse tipo que impedirão o desenvolvimento tecnológico da China e o aumento da sua influência global. Seria muito mais sensato, em vez de tentar impedir o desenvolvimento chinês, que, em última instância, é positivo para a economia mundial no seu conjunto (e para o Brasil em particular), investir mais em ciência e tecnologia para manter a dianteira tecnológica que esses países ainda têm, eventualmente, em relação à China”.

