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O fim do ano costuma ser associado a celebrações, encerramentos e descanso, mas, para muitas pessoas, esse período vem acompanhado de uma sobrecarga emocional significativa. Na prática clínica, é comum observar um aumento de queixas relacionadas ao cansaço mental, à ansiedade, à irritabilidade e à dificuldade de desacelerar, mesmo quando as férias se aproximam.
Dezembro concentra uma série de exigências simultâneas. Há prazos profissionais que precisam ser concluídos, balanços pessoais inevitáveis e expectativas sociais que reforçam a ideia de que é preciso “fechar o ano” de forma produtiva e positiva. Somam-se a esse cenário o convívio mais intenso com familiares, nem sempre marcado por relações saudáveis, e o aumento do consumo de álcool, frequentemente naturalizado nas confraternizações. Esse acúmulo cria um estado constante de alerta, no qual a mente permanece ocupada com pendências, metas e comparações, dificultando o descanso psíquico.
Além disso, o fim do ano carrega um peso simbólico importante. O encerramento de um ciclo costuma ativar reflexões sobre conquistas, frustrações e escolhas feitas ao longo dos meses anteriores. Quando esse movimento acontece em um contexto de excesso de estímulos e pouco espaço para a elaboração emocional, ele pode se transformar em ansiedade e sensação de insuficiência.
Muitas pessoas se cobram por resultados que não dependiam apenas delas ou por expectativas que, muitas vezes, não eram realistas
Outro aspecto relevante é a ruptura das rotinas que sustentam o equilíbrio emocional. Alterações no sono, na alimentação e nos horários de descanso são frequentes nessa época e impactam diretamente o funcionamento do corpo e da mente. A privação de sono, por exemplo, reduz a capacidade de regulação emocional, aumenta a irritabilidade e dificulta a concentração. Quando esses fatores se acumulam, o risco de esgotamento emocional torna-se maior.
O excesso de estímulos também merece atenção. Compromissos sociais, demandas familiares, informações constantes e a exposição às redes sociais ampliam o nível de ativação mental justamente quando o organismo sinaliza a necessidade de pausa.
Comparações e narrativas idealizadas de felicidade podem intensificar sentimentos de inadequação e desgaste, afastando as pessoas de uma experiência mais realista e acolhedora desse período.
Cuidar da saúde mental no fim do ano não significa eliminar todas as demandas, mas aprender a se relacionar de forma mais consciente com elas. Isso envolve reconhecer limites, aceitar que nem tudo será resolvido antes da virada do calendário e compreender que o descanso também é uma necessidade, não um prêmio.
Criar pequenas pausas, reduzir estímulos desnecessários e preservar rotinas básicas de autocuidado são formas eficazes de proteger o bem-estar emocional.
O fim do ano pode ser um convite à reflexão e ao cuidado. Respeitar os próprios limites, observar os sinais do corpo e da mente e permitir-se atravessar esse período com mais gentileza são atitudes que favorecem não apenas um fechamento mais saudável, mas também um início de ano mais equilibrado e sustentável.
Karen Scavacini é psicóloga, mestre em Saúde Pública pelo Karolinska Institutet (Suécia) e doutora em Psicologia pela USP. Fundadora do Instituto Vita Alere, que há 13 anos é referência nacional em saúde mental, prevenção e posvenção do suicídio, é criadora do Mapa Saúde Mental e responsável pelo Centro de Inovação e Pesquisa em Saúde Mental, Tecnologia e Suicidiologia. Atua há mais de 25 anos com saúde mental, e há mais de 10 anos com o bem-estar digital. Trabalha com escolas, universidades e empresas. Responsável pelo programa Skillslab da Escola de Economia da Fgv. Representante do IASP no Brasil. É pesquisadora, autora de livros e cartilhas, palestrante, TEDx Speaker e articuladora de ações inovadoras que integram cuidado emocional, comunicação e tecnologia.