Dezembrite, tédio corporativo e a pressão por ‘fechar ciclos’: por que o fim do ano virou gatilho emocional
Pesquisas revelam insatisfação profissional global e especialistas explicam como a reta final de dezembro intensifica ansiedade
À medida que dezembro avança, o clima de urgência, balanços e expectativas começa a se tornar quase palpável. No Brasil, a chamada “dezembrite”, que é o fenômeno da correria emocional e psicológica que invade os últimos dias do ano, ganha força em meio a um cenário profissional que já não vinha equilibrado. Uma pesquisa global encomendada pelo LinkedIn revelou que cerca de 60% dos profissionais estão insatisfeitos com seus empregos e 20% já buscam ativamente novas oportunidades. O estudo, que ouviu 23 mil pessoas em 16 países, inclusive no Brasil, aponta para um desgaste que vai muito além da remuneração: trata-se de uma desconexão profunda com o propósito e com o sentido do trabalho.
Os principais motivos de descontentamento incluem baixo reconhecimento, ambientes tóxicos, lideranças desmotivadoras e a dificuldade das empresas em lidar com as novas dinâmicas pós-pandemia. Muitos profissionais resistem ao retorno integral ao escritório porque desejam flexibilidade, autonomia e qualidade de vida, valores que passaram a guiar carreiras de forma decisiva. Apesar disso, a pesquisa revela um dado intrigante: mesmo diante da instabilidade econômica, a autoconfiança do trabalhador segue alta. Há uma disposição crescente em deixar ambientes que adoecem, mesmo que isso signifique recomeçar.
Esse movimento global acende alertas sobre um fenômeno ainda pouco discutido, mas cada vez mais presente: o boreout, descrito pelo psiquiatra e psicoterapeuta Nelio Tombini como o “irmão adotivo” do burnout. “O burnout é a exaustão pelo excesso. Já o boreout nasce do tédio, da falta de propósito e da sensação de inutilidade. Há colaboradores que não se sentem desafiados, não veem sentido ou reconhecimento no que fazem. Isso também adoece”, explica. Para o especialista, trata-se de um vazio emocional silencioso, invisível aos olhos da gestão tradicional. “Quando o profissional não se sente parte de algo maior, perde o brilho. Essa apatia pode ser tão nociva quanto o estresse extremo”, complementa Tombini.
Estar em dezembro nos leva a reflexões e gatilhos
Não adianta: dezembro é um mês repleto de emoções e pode ser comparado a um passeio de montanha-russa, já que adiciona uma camada extra de complexidade ao nosso processo evolutivo. A chegada do fim do ano aciona gatilhos emocionais potentes, como destaca o psiquiatra Dr. Diogo Abrantes Andrade (Unifesp), especialista em saúde mental corporativa. “Os últimos dias do ano funcionam como um espelho aumentado. Metas não cumpridas, conflitos familiares recorrentes e a cobrança por ‘fechar ciclos’ produzem uma pressão silenciosa que eleva ansiedade e irritabilidade”, afirma. Segundo ele, há uma distorção cognitiva frequente: “As pessoas confundem uma data no calendário com obrigação de transformação imediata. Isso agrava o sofrimento”, salienta Abrantes.
A “dezembrite”, somada ao cansaço acumulado do ano, compromete a capacidade de regulação emocional e cria terreno fértil para impulsos como compras compulsivas, irritabilidade, conflitos e aumento do consumo de álcool. “O período também pode reativar lutos, ampliar a sensação de solidão e intensificar comparações sociais, especialmente nas redes. Não é fraqueza: é fisiologia somada ao contexto. Entender esse mecanismo já reduz metade do peso”, ressalta. Diante desse cenário, especialistas defendem que as empresas precisam repensar sua cultura de pertencimento e produtividade. Programas de bem-estar emocional, escuta ativa e lideranças empáticas deixaram de ser um diferencial e se tornaram questão de sobrevivência humana dentro das corporações. “Não adianta falar de performance se o profissional está emocionalmente desconectado. O futuro do trabalho exige inspiração de propósito, não apenas cobrança por resultado”, pontua Tombini.
Como passar por tudo e não se afetar? Especialista dá dicas
Em busca de respostas sobre como passar pelo fim de ano sem tropeços, Renata Rode entrevistou a psicanalista Cintia Castro, que explicou porque esse período é tão complexo para as pessoas e, inclusive, para os profissionais que tratam de saúde mental em consultórios. Acompanhe.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
