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A pressão política dos estados do Sul por uma solução para a malha ferroviária regional evoluiu para uma contraproposta técnica. Após críticas públicas por causa da degradação da infraestrutura e devido ao modelo desenhado por Brasília, o Conselho de Desenvolvimento e Integração Sul (Codesul) formalizou, na última semana, a rejeição ao plano federal de fatiar a atual concessão da Malha Sul.
A Política Nacional de Outorgas Ferroviárias do governo federal, anunciada no final de novembro, aposta na segmentação da rede em três corredores independentes (Paraná-Santa Catarina, Rio Grande e Mercosul) para atrair investidores. Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul sustentam que a fragmentação compromete a lógica operacional e a viabilidade econômica do sistema.
"Estamos correndo risco de não ter para onde crescer porque a nossa logística pelo modal rodoviário está colapsada. A Malha Sul irá determina o que nós seremos daqui a 30 anos", afirmou o secretário catarinense de Ferrovias, Beto Martins.
A entrega do diagnóstico oficializa o posicionamento que vinha sendo desenhado nos quatro estados em defesa de uma concessão integrada. O argumento central é que a divisão proposta pela União isola trechos deficitários e quebra a escala necessária para justificar investimentos privados de longo prazo.
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Apenas 17% das ferrovias catarinenses sob concessão da Rumo estão em operação
O relatório técnico apresentado ao secretário nacional de Transporte Ferroviário, Leonardo Cezar Ribeiro, apresenta um diagnóstico da atual concessão da Malha Sul, que abrange 7.223 km de trilhos nos três estados da região.
No Rio Grande do Sul, dos 3.823 quilômetros administrados pela Rumo, 1.680 estavam em operação em 2024. O impacto das enchentes daquele ano reduziu a extensão para apenas 921 quilômetros, interrompendo fluxos estratégicos, como o transporte de líquidos.
Em Santa Catarina, a ineficiência é estrutural: dos 1.210 quilômetros de trilhos existentes, apenas 17% (210 km) estão operacionais. O estado, responsável por um quinto da movimentação de contêineres do Brasil, utiliza a ferrovia para escoar apenas 6% das cargas portuárias.
No Paraná, o gargalo se concentra na Serra da Esperança, limitando a conexão entre o oeste produtor e o porto, prejudicando o fluxo de grãos e proteínas. O cenário de sucateamento motivou a mobilização dos governadores.
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Para estados, modal rodoviário está prestes a entrar em colapso
Uma das justificativas dadas pelo governo federal na última reunião na Secretaria Nacional de Transporte Ferroviário foi que o fatiamento da Malha Sul levou em conta a viabilidade econômica, visto que quanto maior a estrutura, mais difícil atrair investimentos para implementação e manutenção do sistema.
Para os estados, criar três concessões distintas "não atende às necessidades de integração logística". O temor é que a fragmentação aumente a insegurança jurídica e operacional, resultando em "vazios logísticos" onde a operação não seja financeiramente atrativa para operadores menores ou isolados.
O documento destaca que a dependência rodoviária — modal que hoje responde por 65% do transporte doméstico e 98% do milho movimentado — já saturou rodovias estruturais como a BR-277 e a BR-101. Sem uma ferrovia integrada e eficiente, o custo logístico da região tende a aumentar, retirando competitividade da indústria e do agronegócio sulista frente a outras regiões.
Possibilidade de aportes dos estados para subsidiar nova concessão da Malha Sul
Para superar o impasse, o Codesul propôs aportes conjuntos dos estados e da União para viabilizar a concessão integrada, caso o modelo financeiro apresente Valor Presente Líquido (VPL) zerado ou negativo sem subsídios.
Entre as ações imediatas solicitadas estão a recuperação dos trechos danificados no Rio Grande do Sul e a retomada do transporte de líquidos, vital para aliviar as rodovias. Estrategicamente, o bloco exige que a transição entre a atual concessão e o futuro modelo ocorra sem lacunas de serviço, garantindo que os passivos da infraestrutura degradada sejam resolvidos antes ou durante a nova modelagem.
Em relação às indenizações previstas ao final do contrato com a Rumo, por estar entregando uma estrutura menor do que pegou no início da concessão, a pasta informou que os recursos serão destinados para um fundo vinculado às novas concessões.
O Ministério dos Transportes, que prevê cerca de R$ 140 bilhões em investimentos nacionais com o novo plano de outorgas, analisa o documento técnico para decidir se revisa o desenho dos leilões previstos para a Região Sul do país. "Saímos com o sentimento de que seremos ouvidos, com o compromisso de que todas as contribuições que fizemos serão ouvidas", declarou Beto Martins.

