(Foto: Lula Marques/ Agência Brasil)

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Os jornalistas investigativos David Ágape e Eli Vieira, responsáveis pela série Vaza Toga 2, são alvo de uma ação levada diretamente ao Supremo Tribunal Federal por Letícia Sallorenzo, ex-colaboradora do Tribunal Superior Eleitoral e, segundo David, "amiga da esposa do ministro Alexandre de Moraes". Ela foi investigada nas reportagens dos repórteres sobre uma suposta atuação irregular junto ao TSE.

A denúncia feita por Letícia ao STF, apresentada sem passar pelas instâncias inferiores, acusa Eli e David de crimes como incitação, stalking e tentativa de “derrubar o Estado Democrático de Direito”. A ação penal inclui Eduardo Tagliaferro, ex-assessor do ministro Alexandre de Moraes. De acordo com Ágape, Letícia teria declarado que os três fariam parte de uma "organização criminosa".

Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, Ágape fala sobre o caso, denuncia o que chama de “criminalização do jornalismo” e critica o que vê como um padrão de perseguição contra jornalistas independentes.

Entrelinhas: Você disse que esse processo repete um padrão já usado antes. O que quer dizer com isso?
Ágape: A estratégia da Letícia Sallorenzo é peticionar diretamente no STF, pulando as instâncias normais. Foi o mesmo modus operandi usado no caso de Allan dos Santos e Juliana Dal Piva. A Juliana, na época, teve prints vazados e, em vez de entrar com ação em primeira instância, foi direto ao gabinete do ministro Alexandre de Moraes. Agora, Sallorenzo faz o mesmo — só que eu nunca fui investigado por nada, nem respondi a processo em sete anos de carreira.

Entrelinhas: Por que, na sua opinião, ela teria recorrido ao STF e não à Justiça comum?
Ágape: Boa pergunta. A justificativa é que o Allan dos Santos já era investigado pela Corte, então ela teria “vinculado” o caso ao mesmo inquérito. Só que eu não tenho nada a ver com isso. A peça tenta nos incluir num contexto de “organização criminosa”, o que é absurdo. Eu sou jornalista, não miliciano digital.

Entrelinhas: Qual é o conteúdo da denúncia contra você?
Ágape: Ela me acusa de tudo: incitação, perseguição, difamação, calúnia e até tentativa de derrubar o Estado Democrático de Direito. Tudo isso com base em um simples tuíte meu. Ela não cita as reportagens, não rebate as informações, não mostra provas. Alega que eu a chamei de “bruxa”, mas esse é o apelido que ela mesma usa nas redes sociais, com um avatar de bruxinha.

Entrelinhas: Você considera que tratou o tema com seriedade jornalística?
Ágape: Com certeza. Todas as minhas matérias são baseadas em documentos, fontes e declarações públicas. Sempre dei direito de resposta — inclusive para ela. Nunca houve ataque pessoal. Se alguém a xingou nas redes, que responda por isso. Mas não fui eu. Eu sempre disse: rede social não é terra sem lei.

Entrelinhas: Você mencionou que ela se diz colaboradora informal do TSE. De onde vem essa informação?
Ágape: Do próprio currículo Lattes dela. Está lá até hoje: “colaboradora informal do TSE”. Eu questionei o Tribunal oficialmente, via Lei de Acesso à Informação, e o TSE respondeu que nunca reconheceu essa colaboração. Então, alguém está mentindo — ou o TSE ou ela. Eu apenas publiquei os fatos.

Entrelinhas: Como você ficou sabendo da ação? Foi notificado formalmente?
Ágape: (risos) Não. Fiquei sabendo por um blog de esquerda. Eu estava trabalhando quando o Eli Vieira me mandou uma matéria dizendo que Letícia Sallorenzo iria processar “quem a difamou”. Aí uma fonte me confirmou: “Você está sendo processado por ela.” Quando fui ver, o processo já estava no site do STF — e ainda com meu nome de rede social, não o nome civil.

Entrelinhas: Você acredita que essa ação tem viés político?
Ágape: Sem dúvida. Isso faz parte de uma tentativa de criminalizar o jornalismo independente. O que estamos vendo é o Supremo mirando em jornalistas e intimidando quem investiga o poder. A Letícia repete um roteiro que serve pra enfraquecer quem faz denúncia com provas, mas comigo não vai colar.

Entrelinhas: Você citou o caso de Eduardo Tagliaferro, ex-assessor de Moraes, que aparece nas suas reportagens. Como ele se conecta com essa história?
Ágape: O Tagliaferro é um whistleblower, um denunciante. Ele revelou fraudes e perseguições dentro do TSE. Em vez de apurarem o que ele denunciou, estão investigando o denunciante. E agora tentam nos associar a ele, como se fôssemos uma “quadrilha digital”. Isso é uma distorção absurda.

Entrelinhas: Você mencionou que Sallorenzo é "fã de Alexandre de Moraes". Isso tem peso no caso?
Ágape: Tem. O doutorado dela é sobre ele. O trabalho tenta provar que existem “ataques coordenados” ao ministro — a tal tese do Firehosing, que ela trouxe para o Brasil. Essa tese virou base pra inquéritos da Polícia Federal contra jornalistas e opositores. Então, sim: há uma relação intelectual e ideológica entre eles.

Entrelinhas: O que você espera do PGR, que agora analisa o caso?
Ágape: Espero serenidade e honestidade. Que o procurador Paulo Gonet ponha a mão no coração e veja que isso é uma tentativa de intimidação política. A denúncia é ilegal, baseada em mentiras e omissões. Nós não cometemos crime algum — apenas fizemos jornalismo investigativo.

Entrelinhas: Você parece determinado a continuar.
Ágape: Determinado e tranquilo. Não vou parar. Isso me dá mais gás pra continuar investigando. A briga está garantida — o resultado, não sei, mas a luta sim. E eu ainda acredito que existem juízes em Berlim, como se diz. Eu sei que a Letícia não agiu sozinha e vou trazer isso à tona.

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