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Braço direito do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e um dos mais habilidosos articuladores de bastidores do país, Gilberto Kassab, conhecido como o “camaleão da política”, deu nesta terça-feira (21) mais um passo para posicionar seu partido e a si mesmo no xadrez de 2026.
O presidente do PSD recebeu, em São Paulo, lideranças da centro-direita de todo o mundo ligadas à Internacional Democrata de Centro (IDC), entidade que reúne 113 partidos de centro-direita em mais de 80 países e à qual o PSD acaba de se filiar.
A filiação e o encontro têm o mesmo propósito: carimbar o PSD como o principal polo da centro-direita liberal e institucional do país, ao mesmo tempo em que Kassab tenta ampliar seu alcance político em um cenário cada vez mais distante do que chama de radicalismo.
“Nossa centro-direita está diante de uma encruzilhada histórica: ou se reinventa de forma profunda, ou corre o risco de perder relevância num continente em permanente transformação”.
Ele afirmou ainda que é preciso “nos reposicionar como defensores da democracia e da institucionalidade, recuperando credibilidade ética após escândalos e distinguindo de líderes autoritários de qualquer espécie”.
Ao seu lado estava Guilherme Afif Domingos, cofundador do PSD e secretário especial de Projetos Estratégicos do governo paulista, que reforçou a necessidade de um reposicionamento claro.
“[Queremos] juntar forças exatamente para definir a ação de uma centro direita que efetivamente tem sido no mundo fortemente procurada para fugir dos extremos. Centro não significa neutralidade, significa ter posições, e é isso que nós estamos buscando nesse encontro”, afirmou Afif.
Regimes autoritários ainda pesam na imagem da centro-direita, diz Kassab
No diagnóstico apresentado por Kassab sobre o enfraquecimento da centro-direita no continente, pesam a associação histórica com regimes autoritários do século XX, a dificuldade de entregar reformas econômicas consistentes, a sucessão de crises que atingiram a região nos últimos anos e o impacto da pandemia, fatores que, combinados, abriram espaço para uma nova ascensão da esquerda.
Ele lembrou que, entre 2015 e 2019, a centro-direita chegou ao poder em diversos países, impulsionada pelo desgaste da esquerda e por escândalos de corrupção, mas não conseguiu manter a mesma força diante de desigualdades persistentes e da resistência a reformas estruturais.
De acordo com Kassab, a falta de coordenação regional também contribuiu para esse declínio. O campo, explicou, reúne liberais, conservadores sociais, democratas-cristãos e libertários, o que dificulta a formação de coalizões duradouras e abre espaço para lideranças que capturam parte do eleitorado tradicional com discursos simplificados e antiestablishment.
Ele afirmou que, daqui para frente, será necessário equilibrar responsabilidade fiscal com inclusão social, competitividade econômica com sustentabilidade ambiental e, sobretudo, superar as divisões internas sobre temas como direitos de gênero e meio ambiente.
Afastamento de Jair Bolsonaro e legitimação do STF
Sem mencionar diretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Kassab buscou marcar a separação entre o PSD e o bolsonarismo. Ao mesmo tempo, nos bastidores, é certo que o PSD quer que Tarcísio de Freitas se destaque de Jair Bolsonaro e trilhe uma carreira política com brilho próprio.
"O bolsonarismo é direita. O PSD é centro-direita"
Gilberto Kassab, presidente do PSD
Em coletiva de imprensa, quando questionado se o bolsonarismo poderia ser classificado como extrema-direita, Kassab respondeu que “o bolsonarismo é direita, o PSD é centro-direita”. E, ao ser indagado novamente sobre Bolsonaro, foi mais explícito: “Ele é um pouco mais radical de direita, por isso o PSD é de centro. Se não, eu estaria no PL”.
A fala denota uma tentativa de Kassab de se distanciar do desgaste acumulado pelo ex-presidente sem, no entanto, romper de forma definitiva com o ex-presidente. O evento também contou com Andrés Pastrana, presidente do IDC e ex-presidente da Colômbia, que reforçou a defesa da institucionalidade e condenou ditaduras como a da Venezuela.
Ao ser instado a comentar a atuação do STF brasileiro e a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro, Pastrana preferiu não responder. “Em política eu tenho uma norma, eu não me meto na política interna dos outros países, é um respeito que tenho”, afirmou.
“Já enfrentamos o Fórum de São Paulo publicamente, porque temos posições ideológicas distintas. Mas não vou me meter numa instituiçãode um país democrático como o Brasil”, explicou. “Há uma instituição que se chama Corte Suprema”, complementou.
Ratinho Junior ou Eduardo Leite só continuam se Tarcísio sair da disputa
Na coletiva, Kassab detalhou a posição do PSD para 2026. A sigla tem dois pré-candidatos, Ratinho Junior (PSD-PR) e Eduardo Leite (PSDB), mas ambos estão dispostos a abrir mão da disputa caso Tarcísio decida concorrer à Presidência.
“Iremos até o fim com candidatura própria. Caso o governador Tarcísio coloque o seu nome, terá o nosso apoio e iremos até o fim com ele”, afirmou o presidente do PSD. Questionado sobre se o bolsonarismo seria uma página virada com a prisão de Bolsonaro, Kassab respondeu que "a história nunca tem virada de página, tudo fica registrado".
"O importante é que teremos eleições, as eleições serão disputadas por aqueles que têm elegibilidade. Eu não acredito que o presidente Bolsonaro vai recuperar a sua elegibilidade para essa eleição, portanto o PSD nesse contexto, trabalha com esses fatos, e temos essas três alternativas", complementou.
Nos bastidores, porém, a costura que Kassab tenta montar segue outro caminho. Aliados afirmam que seu objetivo é ver Tarcísio disputando a reeleição em São Paulo, fortalecendo seu capital administrativo e deixando a disputa presidencial para 2030, quando Lula não estará mais no páreo e o ambiente político tende a ser menos polarizado.
Nesse desenho, Kassab se coloca como potencial vice na chapa paulista, o que garantiria ao PSD papel central na máquina estadual e ampliaria seu poder de articulação.
A lógica por trás desse movimento também mira o ambiente nacional: manter Tarcísio no governo facilita ao PSD construir uma candidatura própria à Presidência sem depender da família Bolsonaro. Com isso, o partido poderia atrair votos que rejeitam o sobrenome e, ao mesmo tempo, reunir a centro-direita em eventual segundo turno contra o PT.
No entanto, a equação esbarra no outro lado do campo político: Jair Bolsonaro não aceita ficar à margem. A pressão da família Bolsonaro sobre Tarcísio e a fidelidade que o governador demonstra ao grupo pode travar ou até inviabilizar a construção que Kassab tenta desenhar.