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“Júlia Zanatta e a direita desistiu de conquistar o homem comum” ou “Julia Zanatta e a direita que se contenta em ser caricatura”? Não sei qual dos títulos usar. O segundo está mais indignado. Alguns poderiam dizer até que está agressivo. Mas há nele uma possibilidade de humor digna de nota e consideração. Já o primeiro é um diagnóstico que já sugere a cura: a direita precisa reconquistar o homem comum. O eleitor médio. O conservador intuitivo.
Mas não vai conseguir fazer isso se radicalizar. Ou se, em outras palavras, se contentar em ser apenas uma caricatura do que chamam por aí de “extrema direita” – e não sem um tiquinho de razão. Não, a direita não vai conseguir atrair a atenção do eleitor médio, não-intelectualizado e não-ideologizado, apelando para símbolos de violência e reafirmação étnica e até religiosa, como os que se vê na foto deprimente que a deputada Julia Zanatta publicou nas redes sociais.
PL da Bavária
Nela, a deputada pelo PL da Bavária (ou seria do Tirol?), aquela que não tira a tiara florida na cabeça e que outro dia mesmo apareceu com um bebê de colo no meio de um Congresso conflagrado, se mostra como uma ambiciosa monarca da sanguinolenta e, cá entre nós, nada conservadora série “Game of Thrones”. Vestida de preto, ela está sentada num trono cujo encosto é feito de fuzis e munição. Na legenda, lê-se: “Game of Santa Catarina” – numa referência à disputa por uma vaga na eleição ao senado ano que vem.
Sinceramente, o que a deputada acha que essa imagem expressa para alguém como eu, que não tem lá muita estima pela causa armamentista e não, definitivamente não quer que o Brasil se transforme num campo de batalha entre irmãos incestuosos, anões e beldades que têm dragões de estimação? Ou, pra usar a categorização do eleitor médio a ser conquistado pela direita, feita pelo Flávio Morgenstern, o que a deputada acha que a imagem comunica à classe média apolítica, ao trabalhador que não sabe o que é censura, aos lavajatistas, aos farialimers, aos isentões, a quem tem trauma da pandemia, a quem se informa pelo Jornal Nacional e à minha tia Zuleika?
Fantasia heroica para os convertidos
A imagem orgulhosamente fixada no perfil da deputada não comunica política. Nada ali sugere qualquer tipo de busca pelo bem comum. Não há absolutamente nenhum elemento que transmita a ideia de que a deputada respeita discordâncias, quanto mais seus adversários. Ou que está disposta a mudar de ideia, a aceitar pequenas derrotas em nome de um bem maior no futuro, a buscar consensos. Nada. Tampouco há qualquer coisa de humano na imagem. Nenhum vestígio de solidariedade, caridade ou preocupação com o próximo.
O que a imagem comunica, isso sim, é fantasia heroica para os convertidos. Para aqueles que realmente acham que a solução para a criminalidade no Brasil é mesmo dar um fuzil para cada família. Aos que nunca duvidam de suas certezas e aos que têm vergonha de reconhecer um erro. (O que é que vão pensar de mim?). Àqueles que interromperam o texto neste exato momento para me xingar nos comentários (oi!). E aos ribeirinhos do rio Reno. Talvez. O que é uma pena, porque há milhões de brasileiros que só querem ordem, trabalho e um pouco de bom senso, e que por isso se sentem órfãos de representação.
Oposição minoritária eterna
É a chamada “direita moderada”. Os conservadores intuitivos. Gente simples, mas de bom coração. Pessoas que nunca leram “1984” e que acham que Mises é plural de campeonato de mulher bonita (não é?). Gente que se diz patriota porque, sei lá, é o certo, ué!, que odeia campeonato por pontos corridos, que todos os dias reclama do preço do café, que acha que o Geraldinho está estranho depois que entrou na faculdade (tá mesmo!), e que espuma de ódio toda vez que tem que pagar um imposto ou taxa pro governo.
Ao ver a foto da Zanatta, e levando em conta movimentos recentes do bolsonarismo, a impressão que tenho é a de que a direita desistiu. Simplesmente desistiu. Nem sabe que desistiu, mas desistiu. Digo, ela vai fazer barulho em 2026. Ah, se vai. Aqui e ali, vai até passar a impressão de que está se articulando para conquistar algo maior, mais nobre e mais virtuoso. E vai cometer um ou outro acerto acidental. Mas vai também se sabotar. Porque, no fundo, o que essa direita radical quer mesmo é continuar segura e confortável na condição de oposição minoritária eterna. Afinal, é muito mais fácil, vantajoso e prazeroso (dizem) ser pedra do que ser vidraça.
