ADÉLIA PRADO JARDIM DAS OLIVEIRAS
Adélia Prado: "Não se faz poesia apenas com palavras; poemas, sim, mas quem precisa deles?" (Foto: Reprodução/ Agência Brasil/ TV Cultura)

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Me disseram que ninguém vai ler este texto. Tem razão, quem me disse. Mas vou escrevê-lo mesmo assim. Não para a multidão que por vezes lota esta arena virtual para admirar o sanguinolento espetáculo do debate político, e sim para um ou outro distraído capaz de admirar a poesia de Adélia Prado, que aos 90 anos lançou “O Jardim das Oliveiras”. Um livro que só não vou dizer que é obrigatório porque não é mesmo. Nunca é.

Afinal, poesia é inútil. Ainda mais hoje em dia. Inútil, sim. Reconheço e concordo. Mas necessária, ao menos para um e outro louco que, para além da realidade passageira das nossas intermináveis querelas políticas, cultivamos a vida interior e buscamos algo que vou chamar de transcendência. E dessas coisas “O Jardim das Oliveiras” está cheio. Meu exemplar, por exemplo, está todo marcado. Dá vontade de ler e reler. De decorar. Dá vontade até de sair por aí com patéticos cartazes escandalosos, nos quais se lê “MENOS POLÍTICA E MAIS POESIA!!!!”.

“É bom não ter razão”

Mas pode ficar tranquilo, Pondé. Sou louco, mas não tanto. De qualquer modo, peguemos como exemplo os versos de “Biografia”, que vou citar aqui porque o poema é curtinho e periga alguém gostar: “Qualquer infância é antiga./ Aos quinze anos, já pósteros,/ nos lembramos de nós com comovida saudade./ Já nasce com mil anos a memória da alma”. Que tal? Nada? E que tal esses versos de “A Caçadora”: “Tocando em Deus sem saber,/ tocava-o cuidadosamente/ com um galho folhoso/ pra que suas asas não sofressem danos”? Nada ainda? COMO ASSIM NADA, seu...!

(O editor veio aqui me dar uma bronca. Disse que posso escrever e até publicar, ainda que ninguém vá ler este texto sobre poesia. Mas não posso insultar o leitor e, tudo bem, desculpa, que é isso?!, não foi minha intenção insultar ninguém, não. É que às vezes não entendo como alguém pode se interessar tanto por STF, CPMI, COP 30 e outras siglas em voga, e nada, nem um tiquinho, por versos como: “Errar é bom/ é bom não ter razão./ Corpo e alma repousam/ por nada terem a ensinar./ É morno e doce/ como leite de mãe”. Em todo caso, reforço o pedido de desculpa).

Ovo de duas gemas

E assim encerro precocemente este texto sobre o novo livro de Adélia Prado. Um texto que ninguém vai ler, sobre um livro que poucos vão ler. Mas um texto que eu precisava escrever e escrito está. O que não deu mesmo para fazer foi citar mais poemas. Uma pena. Nem mostrar minha cara de espanto e olha-só-que-coisa-linda diante de versos como estes: “A paciência é espessa/ como a massa do pão não levedado./ O pão não é paciência,/ o ovo é./ O rio é paciência,/ o mar não é./ Quero a que amadurece a fruta/ e os embriões./ A paciência é fé”.

Mas está aí. Dito, feito e, com algum encabulamento, exposto. Por certo alguém dirá que me falta testosterona. Ao que responderei com o que me resta neste dia em que acordei pensando as melhores coisas de você, da humanidade e até do brasileiro, acredita? Ou seja, responderei com mais versos. E, se esses não o convencerem, (só por hoje) desisto: “Uma coisa em nós é rasa e profundamente igual./ Queremos ser felizes./ O mais grave dos homens,/ se vir no prato um ovo de duas gemas,/ ainda que de boca fechada, sorrirá”.