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A catástrofe climática que arrasou a pequena cidade de Rio Bonito do Iguaçu, no sudoeste do Paraná, deixou evidente a necessidade de políticas públicas para a proteção dos moradores em áreas consideradas com maior risco de tornados no Sul do Brasil. A região tem um "corredor de tornados" entre o Paraná e o Rio Grande do Sul, que abrange principalmente a faixa oeste dos estados, na fronteira com o Paraguai e a Argentina.
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A área da Região Sul do Brasil é considerada a segunda mais propícia do planeta para a formação de tornados, atrás apenas da “alameda dos tornados” nos Estados Unidos. A região central do território norte-americano engloba estados conhecidos pela temporada de tornados, entre eles Oklahoma, Kansas, Iowa e Missouri.
A pesquisadora Ana Ávila, do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas em Agricultura (Cepagri) da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), ressalta que a geografia com a Cordilheira dos Andes a oeste cria condições únicas para a formação dos tornados. “No Sul do Brasil, temos o encontro de massas de ar quente e úmido com massas de ar frio e seco, especialmente durante avanço de frentes frias e ciclones extratropicais. Isso cria um ambiente instável com ventos intensos em diferentes direções e altitudes, condição fundamental para a formação de tornados”, explica.
A área da Região Sul do Brasil é considerada a segunda mais propícia do planeta para a formação de tornados, atrás da “alameda dos tornados” nos Estados Unidos.
Questionada sobre a catástrofe em Rio Bonito do Iguaçu, a pesquisadora respondeu que eventos mais severos dependem de uma combinação específica de fatores atmosféricos. “No caso recente, foi uma conjunção de um ciclone extratropical, uma massa fria intensa e uma frente fria que favoreceram a severidade da tempestade, incluindo o tornado intenso.”
A escala para classificação dos tornados é denominada de Fujita e funciona da seguinte forma:
- F0: danos leves, ventos entre 105 e 137 km/h, danos superficiais em casas e vegetação.
- F1: ventos entre 138 e 177 km/h, danos moderados, como telhados danificados e árvores quebradas.
- F2: ventos entre 178 e 217 km/h, danos consideráveis, destruição de estruturas pequenas e prevalência de destelhamentos.
- F3: ventos entre 218 e 266 km/h, danos severos, destruição parcial de casas e prédios, derrubada de árvores grandes.
- F4: ventos entre 267 e 322 km/h, danos violentos, destruição total de casas bem construídas, carros arremessados.
- F5: ventos maiores que 322 km/h, danos extremos, destruição completa de estruturas, arranque de fundações e grande devastação.
Região Sul do Brasil registra tornados severos nas últimas décadas
Na última sexta-feira (7), o Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná (Simepar) registrou a formação de três tornados, sendo um deles com ventos acima de 300 km/h. O tornado mais intenso se formou em Espigão Alto do Iguaçu, e ganhou intensidade maior quando já estava sobre o município de Rio Bonito do Iguaçu.
Seis pessoas morreram no município mais atingido e um morador de Guarapuava também perdeu a vida durante a tempestade severa. De acordo com o Simepar, o tornado F3 teve um diâmetro estimado entre 800 metros e um quilômetro e percorreu uma distância de aproximadamente 40 quilômetros.
Os tornados são classificados por meio da escala Fujita, que calcula a velocidade dos ventos e a amplitude dos estragos provocados pelo fenômeno da natureza. Algumas empresas de meteorologia, como a Prevost e a MetSul, chegaram a afirmar que o tornado no centro-sul paranaense pode ser reclassificado como um F4.
“Foram percebidas algumas torres de transmissão de energia que tinham caído na direção do tornado. Algumas árvores foram 100% destruídas, não sobrou nenhuma folha ou galho, apenas o tronco. Os carros foram arremessados a cerca de 50 metros de distância. A maioria das casas era de madeira e todas foram completamente destruídas”, detalha o meteorologista do Simepar Leonardo Furlan.
No mesmo dia, o estado vizinho também teve a formação de outros três tornados nos municípios de Dionísio Cerqueira, Xanxerê e Faxinal dos Guedes, no oeste catarinense. Segundo a meteorologista Gilsânia Cruz, do Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia do governo de Santa Catarina (Epagri/Ciram), o estado tem histórico de tornados com a mesma magnitude do F3 que destruiu a cidade do Paraná.
Ela compara o tornado registrado agora com outros quatro eventos registrados em Santa Catarina nos últimos 25 anos, todos classificados dentro da categoria F3: São Joaquim (2004), Guaraciaba (2009), Ibirama (2014) e Xanxerê (2015). Em 2018, um tornado F3 atingiu o Rio Grande do Sul com ventos acima de 200 km/h e estragos entre as cidades de Coxilha e Tapejara.
Duas pessoas morreram na tragédia climática. Antes de Rio Bonito do Iguaçu, o último tornado classificado como F3 no Sul do país provocou danos na cidade gaúcha de Nova Candelária em 2023.
Cruz esclarece que a formação de tornados é frequente na Região Sul do Brasil, sendo mais raros os que se enquadram na categoria F3 ou acima. “Os tornados sempre ocorreram, mas o registro se tornou mais frequente desde que todos têm telefones celulares e também pelo uso de radares meteorológicos. Antes, muitos eventos podem ter ocorrido sem qualquer documentação.”
Previsão ocorre cerca de 15 minutos antes do tornado
A meteorologista Gilsânia Cruz afirma que a previsão de tornados ainda é um desafio para o setor, que consegue antecipar as informações sobre as condições severas do tempo, mas não confirma com precisão a formação dos tornados e possíveis locais atingidos.
“O nowcasting (previsão de curto prazo) permite acompanhar nuvens de tempestade e indicar potencial para ocorrência de tornados, mas é muito complicado prever esse tipo de fenômeno. Muitas vezes temos apenas 10 ou 15 minutos de antecedência para emitir um alerta”, relata.
Essa também é uma característica da meteorologia nos Estados Unidos, que tem mais experiência e tecnologia na área, além dos famosos “caçadores” de tornados, que gravam a formação das supercélulas. Segundo os especialistas em meteorologia, a principal lição que fica dos norte-americanos para o Brasil é o investimento em abrigos de proteção e no treinamento da população para evitar as mortes.

“A referência mundial são os Estados Unidos, que têm uma infraestrutura muito avançada e especializada para lidar com tornados, com uma extensa rede de radares e equipes treinadas. Estamos evoluindo, mas a questão do monitoramento, conhecimento e preparação ainda está em desenvolvimento. É um desafio grande, principalmente pela rapidez e intensidade com que esses fenômenos se formam”, avalia a pesquisadora Ana Ávila.
Localidades norte-americanos registram tragédias climáticas com centenas de mortes em decorrência da imprevisibilidade dos tornados. Em maio de 2011, um F5 provocou a morte de 158 pessoas e a destruição de grande parte da cidade de Joplin, no Missouri.
Eventos severos vão exigir resposta de governos estaduais
A experiência com os grandes tornados exigirá um avanço na cultura de prevenção por parte dos governos estaduais, tanto em investimento quanto na preparação das cidades com maiores riscos de formação de tornados.
“Estamos vivendo um cenário previsto para as próximas décadas, com aumento de eventos severos. Cidades atingidas demonstram a necessidade urgente de investimento em monitoramento, infraestrutura, educação e preparação para minimizar os impactos desses fenômenos no futuro”, ressalta Ávila.
O porta-voz da Defesa Civil do Paraná, capitão Marcos Vidal, avalia que o governo estadual deu uma resposta rápida ao socorro das vítimas em Rio Bonito do Iguaçu e ao processo de reconstrução do local. Ele afirma que é necessário aprender com o que aconteceu e investir na na formação dos profissionais e na preparação das pessoas nas escolas e na sociedade para tempestades extremas.
“Temos planos de contingência para que os municípios façam seu próprio planejamento dentro do sistema da Defesa Civil estadual. Isso ajuda, inclusive, as pessoas que estão em cargos recém-assumidos a se prepararem antecipadamente, prevendo abrigos, insumos e pessoal para atuação. Fazemos mapeamento de empresas e ONGs voluntárias que possam ajudar no atendimento emergencial”, disse.
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