WOODY ALLEN HANNAH E SUAS IRMÃS
O cartaz icônico de "Hannah e Suas Irmãs". (Foto: Divulgação/ Metro-Goldwyn-Mayer Studios Inc.)

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Assisti pela 35ª vez (sem exagero) a “Hannah e Suas Irmãs”, um daqueles filmes perfeitos do Woody Allen. Pelo menos eu o considerava perfeito. Até a 34ª vez. Falo sobre isso adiante, mas antes quero dizer que a vida muda um bocado, e para melhor, quando você se dispõe a ver as pessoas como elas são. Isto é, em toda a sua imensurável complexidade.

Serve para os personagens fictícios do filme, mas serve muito mais para os personagens de carne e osso que nos cercam. Esses que a gente julga e condena o tempo todo. Nossos parentes e amigos; aquele sujeito que puxou papo na fila da padaria; este que vos escreve; e, claro, os personagens meio reais e meio fantasiosos da nossa animadíssima política.

Confusões pelas ruas de Nova York

Se você nunca assistiu ao filme, corra. Está disponível na Amazon Prime Video. Ele conta a história de Hannah, uma atriz bem-sucedida, e suas irmãs problemáticas, Lee e Holly. Tem também o ex-marido de Hannah, Mickey, e o atual marido de Hannah, Elliot. Juntos, essa turminha do barulho apronta muitas confusões pelas ruas de Nova York. Erram, acertam, sonham, se decepcionam, se irritam, e por aí vai. Tudo em busca da mítica felicidade.

O problema, para mim, é que desta vez (a 35ª, desde 1998) achei o filme didático demais. Os personagens têm que explicitar o tempo todo o que estão sentindo. Mas isso é detalhismo. Coisa de espectador chato. Ignore e, na remota possibilidade de você acatar meu conselho e assistir a “Hannah...”, preste atenção ao nível cultural dos personagens. Chega a ser ridículo um financista conhecedor de e. e. cummings. Mas é melhor do que um farialimer apreciador de hip hop. Se bem que, veja só!, cá estou julgando...

Realidade simplista, maniqueísta e cínica

Como dizia, porém, a vida melhora quando você se dispõe a ver as pessoas como elas são, complexas, em vez de se contentar com os heróis ou vilões, idiotas ou gênios, honestos ou bandidos, bons ou maus absolutos da nossa realidade simplista, maniqueísta e cínica. Uma realidade incapaz de ver o bem, de apreciar as boas intenções, de se arrepender com sinceridade, de ter e disseminar esperança e principalmente de rir de si mesma.

Claro que Woody Allen, sendo filho do seu tempo, vê essas contradições todas sob a ótica de um relativismo amoral às vezes repugnante. Isto é, até a cena final, de uma ambiguidade que até hoje, 27 anos depois de assistir ao filme pela primeira vez, ainda me comove. E na qual amor, perdão e esperança se fundem no anúncio de uma gravidez improvável. Xi, acho que rolou um spoiler agora. Paciência e, no mais, não importa.

O que importa é que só por hoje, e por causa de Woody Allen, vou suspender quaisquer julgamentos e admirar a cornucópia de incoerências de todos nós. Todos. Inclusive dela: a família mais julgada do país.