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Isolamento acústico, ganchos no teto, cordas e um tonel para afogamentos. Cenário de filme? Não. Sala de tortura do Comando Vermelho encontrada pela Polícia Civil do Rio de Janeiro em um dos galpões da facção. E, no entanto, o silêncio jornalístico foi ensurdecedor. Segundo pesquisa da AtlasIntel, 87,6% dos moradores de favelas do Rio aprovam operações policiais como a mais recente. Independente disso, quase não houve manchetes, protestos ou coletivas de direitos humanos. No Brasil, “chacina” só existe quando quem aperta o gatilho veste farda. Quando o terror vem do tráfico, eles chamam de “contexto social”.
Essa inversão moral não é casual, é um projeto. A militância e parte da imprensa precisam que o criminoso seja visto como vítima, porque sem o oprimido não há narrativa que justifique o salvador estatal. Quando o bandido é culpado, o Estado se torna dispensável; mas quando ele é “produto do meio”, o Estado ressurge como redentor. O resultado é um ciclo vicioso em que a violência é romantizada, o policial é demonizado e a sociedade inteira é anestesiada.
O Brasil não precisa de novas leis nem de mais discursos, precisa de vergonha na cara. De uma imprensa capaz de distinguir o certo do errado. De líderes que não tenham medo de chamar crime de crime. E de um povo que recupere o senso de justiça como fundamento da civilização
Dentro daquela sala de tortura não havia “falta de oportunidade”, havia método, hierarquia e poder. Como dizia Hannah Arendt, “o mal pode ser banal quando se torna parte da rotina”. E é exatamente isso que o Brasil vive: a banalidade do mal, institucionalizada, disfarçada de normalidade social. O tráfico se tornou um Estado paralelo, cobra impostos, impõe leis, pune e governa, só que sem Constituição e sem limites morais. Enquanto isso, o verdadeiro Estado, enfraquecido e envergonhado, pede desculpas por existir.
Quantas vezes o leitor já viu operações policiais descritas como “massacres”? E quantas vezes viu o tráfico ser chamado de “grupo armado”? A escolha das palavras denuncia o lado de quem escreve. A imprensa que insiste em ver “opressores e oprimidos” não percebe que, ao inverter o papel entre criminoso e vítima, perde a própria credibilidade moral. A pedagogia da culpa, tão cultivada nas redações e nos discursos políticos, tornou-se um vício nacional: culpar quem age e absolver quem destrói.
Enquanto mães de traficantes reconhecem que os filhos são vítimas das próprias escolhas, políticos e jornalistas passam pano para assassinos. Uns por ideologia, outros por covardia. E o resultado é o mesmo: a normalização da barbárie. O crime virou paisagem. A violência, rotina. A morte, estatística. Quando o horror deixa de chocar, a sociedade começa a aceitá-lo.
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O Brasil não precisa de novas leis nem de mais discursos, precisa de vergonha na cara. De uma imprensa capaz de distinguir o certo do errado. De líderes que não tenham medo de chamar crime de crime. E de um povo que recupere o senso de justiça como fundamento da civilização. O problema do país não é a violência, é a covardia moral de quem a relativiza.
Liberdade sem lei é barbárie. Compaixão sem discernimento é cumplicidade. O dia em que o crime organizado passou a ser tratado como “movimento social” e o policial como inimigo, o país perdeu o senso de moralidade. E enquanto os defensores do “contexto social” discutem causas estruturais, há alguém, em algum galpão, pendurado em ganchos de ferro, e ninguém quer ouvir os gritos, abafados pelo isolamento acústico da conveniência.
Júlia Zardo é secretária adjunta da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre (RS).
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos