Símbolo da impunidade petista, mas visto como mártir dentro do partido, Delúbio mantém uma intensa agenda de viagens pelo país
Símbolo da impunidade petista, mas visto como mártir dentro do partido, Delúbio mantém uma intensa agenda de viagens pelo país (Foto: Reprodução/site delubiosares.com.br/Lucas Diener)

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“Lealdade, Delúbio é luta / Lealdade, ele é raiz”, diz um dos versos da música usada como trilha em vários posts de Delúbio Soares no Instagram — e, ao que tudo indica, será seu jingle na campanha para deputado federal por Goiás em 2026.

A exaltação à lealdade não é por acaso. Pivô do Mensalão e condenado na Lava Jato, o sindicalista e ex-tesoureiro do PT é visto dentro do partido como um herói da resistência, um militante fiel que suportou o martírio da prisão sem quebrar o silêncio.

“Quando me pediram para desistir, eu resisti. Quando me ofereceram atalhos, eu escolhi o caminho da honra. Eu não virei as costas”, escreveu, em suas redes, o sindicalista — e marido da dirigente Mônica Valente, nome forte do Foro de São Paulo.

Ao lado de figuras como José Dirceu, José Genoíno, João Vaccari Neto e João Paulo Cunha, Delúbio forma o grupo de petistas históricos que se recusaram a firmar acordos de delação premiada em casos de corrupção. Mais do que isso: pouparam Lula de qualquer acusação.

Agora, essa cumplicidade começa a render dividendos: o próprio Lula tem abençoado a volta à política do ex-tesoureiro — sem constrangimento.

“Eu estou feliz que o companheiro Delúbio esteja presente aqui nesta plenária. Acho extremamente importante a volta do José Dirceu para a direção nacional do PT. Acho que o companheiro Genoino deveria estar nessa também”, disse o presidente, durante o 17º Encontro Nacional da legenda, em agosto.

Panfleto descarado

Delúbio Soares não cumpriu a pena toda. E, em 2023, parte importante de suas condenações foi anulada por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) — o que contribuiu para a recuperação de seus direitos políticos. Desde então, ele articula uma candidatura para as próximas eleições.

O petista mantém uma intensa agenda de viagens pelo país. Primeiro, participou de encontros regionais do partido para discutir a campanha municipal de 2024 — mais tarde, envolveu-se ativamente na disputa, apoiando candidaturas e subindo em palanques de aliados.

Por onde passa, Delúbio distribui um misto de revista e livreto promocional, intitulado “O Réu Sem Crime: Quando a Política se Vale da Justiça”. Com cerca de 30 páginas, o material é uma tentativa descarada de reescrever sua trajetória e colocá-lo como vítima de uma perseguição judicial.

Na publicação, o mensalão é classificado como um “falso escândalo”, construído com “mentiras e manipulação de fatos”. O texto afirma que não houve uso de dinheiro público, apenas um empréstimo realizado e quitado pelo PT junto a um banco particular.

Já a Lava Jato é descrita como “o mais capcioso, violento e impatriótico ataque ao Estado de Direito Democrático”. Segundo o panfleto, a operação foi concebida “a partir do exterior” e conduzida em Curitiba por um juiz (Sergio Moro) que “jamais escondeu sua parcialidade e militância política”.

Por fim, ele se apresenta como alvo de um “movimento orquestrado de retomada do poder no Brasil pelo grupo conservador ultraliberal”, que tentou eliminar Lula e o PT da vida política nacional.

Símbolo da impunidade

Mas não custa lembrar do caminho real percorrido por Delúbio Soares no sistema de justiça brasileiro — e que fez dele um dos símbolos da corrupção e da impunidade petista.

As primeiras denúncias surgiram em junho de 2005, quando Roberto Jefferson o acusou de coordenar mesadas de R$ 30 mil a parlamentares aliados (o esquema eternizado como “mensalão”). Pressionado, Delúbio se afastou da direção do PT e admitiu o uso de “recursos não contabilizados” (caixa dois) para bancar campanhas.

Em 2006, ele passou à condição de réu na denúncia e, seis anos depois, foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento que expôs o esquema de financiamento ilegal do PT. Cumpriu parte da pena a partir de 2013, até ser beneficiado por um indulto natalino concedido por Dilma Rousseff, três anos depois.

O ex-tesoureiro também foi personagem do noticiário da Operação Lava Jato, por lavagem de dinheiro ligada ao petrolão.

Condenado em 2017 a cinco anos, ele acabou sendo preso no ano seguinte por ordem de Sergio Moro. Mas foi liberado em 2019 e teve a sentença anulada, em 2023, pelo Superior Tribunal de Justiça, que remeteu o processo para a Justiça Eleitoral.

No último mês de outubro, o STJ voltou a aliviar o petista: Delúbio, junto com José Dirceu e José Genoino, foi retirado de um processo de improbidade administrativa ligado ao mensalão. O relator apontou “erro grosseiro” do Ministério Público na escolha do recurso, encerrando o caso por uma falha técnica, sem avaliar o conteúdo das acusações.

“Lula é meu amigo”

Também em outubro, Delúbio Soares viveu o mês mais agitado de sua turnê de retorno à cena política. No dia 19, o petista comemorou seu aniversário de 70 anos em Goiânia, com uma grande festa que misturou shows samba, churrasco, discursos e demonstrações de apoio de lideranças do partido vindas de várias regiões do estado.

No ponto alto do evento, Delúbio subiu ao palco ao som de “A Amizade”, clássico do grupo Fundo de Quintal que, vejam só, exalta a lealdade e a permanência dos companheiros nos momentos difíceis.

Lula, no entanto, não participou do encontro. “É meu amigo, mas não é possível trazê-lo. Há muito rigor na realização de eventos com a presença do presidente da República”, disse o sindicalista ao jornal local Folha Z.

Quatro dias depois, Delúbio oficializou sua candidatura a deputado federal por Goiás. “Para que a gente possa em 2026 vencer as eleições no Brasil com o presidente Lula. Para que nenhuma criança fique fora da escola, para que nenhum cidadão passe fome”, justificou.

A filha do chefe

O ritmo de celebrações (na prática, eventos de campanha) não parou por aí. No dia 27, ele promoveu uma segunda festa de aniversário, em Brasília, na tradicional Associação Recreativa e Cultural Unidos do Cruzeiro — a Aruc, conhecida por manter a primeira escola de samba do Carnaval do Distrito Federal.

Segundo outro jornal goiano, o Opção, a comemoração foi marcada pela presença de personalidades emblemáticas da esquerda brasiliense. Entre elas Érika Kokay (deputada federal e pré-candidata a senadora), Chico Vigilante (deputado distrital), Agnelo Queiroz (ex-governador), Geraldo Magela (ex-deputado federal), Guilherme Sigmaringa (presidente do PT no DF) e Leandro Grass (presidente do Iphan e pré-candidato a governador).

A ausência de Lula, dessa vez, foi compensada pela presença de Lurian, filha do presidente — um gesto que pode ser interpretado como sinal de reconhecimento ao aliado que ficou com a culpa, mas não foi esquecido.

Íntimo do Foro

Há quem diga que, na verdade, Delúbio Soares jamais deixou de ter voz no Partido dos Trabalhadores. E uma chave para entender sua influência é a figura da mulher dele, a psicóloga Mônica Valente.

Atual tesoureira da Fundação Perseu Abramo (o think tank do PT), ela é a secretária-executiva da controversa organização que reúne os principais partidos e movimentos políticos de esquerda da América Latina e do Caribe: o Foro de São Paulo.

Mônica, portanto, ocupa um posto privilegiado no petismo — e totalmente alinhado com os regimes de matriz comunista da região, incluindo os mais autoritários.

Em uma entrevista divulgada no site do PT, a dirigente descreveu o processo eleitoral de 2024 na Venezuela como “super normal e pacífico”. Ela ainda acusou à oposição ao ditador Nicolás Maduro de incentivar “manifestações violentas” durante a votação.

Segundo a petista, que esteve em Caracas para acompanhar o pleito, a líder antichavista María Corina Machado “chamou seus apoiadores” para a se manifestar em frente às sessões eleitorais, o que causou “um certo tumulto”.

Uso da máquina

Meses depois, Mônica Valente voltou à cidade para participar da posse de Maduro e comandar um evento chamado Festival Mundial Internacional Antifascista, promovido pelo próprio Foro. O encontro ocorreu justamente quando circulavam as notícias da prisão de Maria Corina pelo regime de Maduro.

Em outra declaração reveladora, concedida ao canal Opera Mundi, ela elogiou abertamente o uso do poder estatal para fins políticos. Ao comentar a estratégia do colombiano Gustavo Petro para engajar sua base de apoio, a dirigente afirmou: “O presidente da República tem um peso muito grande, e ele coloca a máquina do governo nisso quando resolve fazer”, referindo-se à mobilização popular.

Juntos, Delúbio Soares e Mônica Valente parecem sintetizar o projeto de poder petista: enquanto ele encarna a narrativa de “resistência”, ela atua na frente política e doutrinária — uma combinação típica da cartilha dos velhos companheiros do Foro de São Paulo.

A reportagem da Gazeta do Povo entrou em contato com Delúbio para solicitar uma entrevista, mas não obteve retorno até a conclusão deste texto.

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