Ida de Guilherme Boulos para o ministério coroou aprofundamento do viés esquerdista do atual governo Lula. (Foto: Sebastião Moreira / EFE)

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A campanha antecipada de reeleição tocada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao longo do ano e intensificada nos últimos meses mostra um candidato ainda mais ancorado na retórica da desigualdade, na defesa da ampliação de benefícios sociais e no confronto com adversários ideológicos internos e externos. Mas essa radicalização à esquerda agrega riscos.

A combinação de discursos sobre justiça social, ataques ao “mercado” e aos “ricos que pagam pouco imposto”, além de gestos a favor do progressismo, tem sido lida por políticos e analistas ouvidos pela Gazeta do Povo como a continuidade do palanque de 2022, centrado em ataques ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados, só que reforçado por novas bandeiras.

Em declarações pelo Brasil e no exterior, Lula continua atribuindo ao governo passado a “destruição proposital” de políticas sociais e estruturas de Estado na área assistencial e ambiental, reforçando o contraste entre promessas e o “país destruído” que diz ter herdado.

A narrativa da reconstrução segue com Bolsonaro preso, apresentado como alvo-síntese de combate em 2026.

Política de segurança pública escancara o radicalismo de esquerda de Lula

Juan Carlos Arruda, diretor-geral do Ranking dos Políticos, avalia que a explosão nacional do tema da segurança pública, desde o fim de outubro, a partir da megaoperação policial no Rio de Janeiro, tirou a margem de manobra do governo para lidar com o tema. “A grande maioria dos eleitores apoia o combate ostensivo ao crime, uma pauta tradicional da direita”, diz.

Antes disso, a estratégia de comunicação oficial foi calibrada ao longo de 2025 com reforço na publicidade e novos slogans, como o “do lado do povo brasileiro”. Lula passou a insistir em comparações entre o governo atual e o passado, pedindo que o eleitor faça sua escolha. A maior dificuldade estaria então em abordar o eleitor médio, não-polarizado, que forma uma maioria.

Para Arruda, Lula enfrenta cenário imprevisível para 2026. Com Bolsonaro preso e inelegível, mas influente, se Lula quiser ser reeleito “não pode se apoiar só no contraste com o adversário de 2022”. “Será preciso fazer entregas, comunicar melhor e recuperar a confiança do eleitor moderado, que sente crescente incômodo com vieses ideológicos, sobretudo na segurança”, diz.

Gestos de Lula contrariam demandas da população

No tema que lidera a lista de preocupações do eleitor, a segurança, os gestos de Lula têm sido considerados contrários à demanda por endurecimento contra o crime. Em novembro, dias após a Operação Contenção no Rio, o presidente a chamou de “matança” e pediu que ela fosse investigada pela Polícia Federal, em tom inverso ao de boa parte da população.

Poucos dias antes, na Indonésia, Lula afirmou que traficantes são “vítimas dos usuários”, além de criticar o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, por usar força militar contra cartéis de drogas. Críticas a operações policiais, defesa de centralização de políticas de segurança na União e falas como essas contradizem a sua promessa de enfrentar o crime organizado.

A crítica ao agronegócio, à supremacia do dólar e às ações policiais criam tensão no marketing que pretende dialogar com o eleitor de centro — este visto como decisivo nas eleições. A confirmação da candidatura de Lula ao quarto mandato reforça que o seu campo de ação de esquerda está consolidado. Mas seu desafio será ampliar a base de apoio além da militância.

Boulos vira ministro e campanha para 2026 é iniciada

No fim de outubro, Lula deu posse ao deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP) como ministro da Secretaria-Geral da Presidência. A pasta atua como canal de interlocução da Administração Federal com os movimentos sociais e a escolha do líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-teto (MTST) serve, segundo o próprio, para “levar o governo às ruas”, acelerando a campanha.

Com Boulos ao lado de vozes do PT, como Gleisi Hoffmann (PR), o núcleo palaciano do governo se firma mais à esquerda, ampliando o contraste com setores moderados que pedem previsibilidade fiscal e menos sectarismo. A mensagem à militância é: a reeleição será buscada com embate ideológico e uso intensivo da máquina pública no grupo mais vulnerável do eleitorado.

Somam-se a isso o patamar elevado do Bolsa Família, como eixo principal da rede de proteção social, e a agenda de tarifa zero no transporte público urbano – em estudo pelo Ministério da Fazenda a pedido de Lula, com custo estimado em R$ 90 bilhões anuais. Com isso, o presidente segue abusando de renúncia fiscal e subsídios diretos para capturar o eleitor de baixa renda.

Lula tenta se aproximar dos evangélicos, mas maior parte do grupo o rejeita

Ciente do peso dos evangélicos no eleitorado – e da vantagem de Bolsonaro no segmento –, Lula tem intensificado encontros com líderes de grandes denominações pentecostais, como o bispo Samuel Ferreira e o deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), acompanhado do advogado-geral da União, Jorge Messias, evangélico e indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Em entrevistas, Lula admitiu que a esquerda “não sabe dialogar” com os evangélicos e tenta se apresentar como quem quer “unir os brasileiros, não os dividir por religião”. Mesmo assim, percebe-se rejeição elevada ao petista no segmento, alimentada por temas de costumes, limitando as suas investidas no campo religioso.

Em novembro, Lula sancionou a Política Nacional de Linguagem Simples, que proíbe o uso de linguagem neutra em documentos oficiais de todos os níveis de governo e impõe o uso exclusivo da norma culta, barrando termos como “todes”. A medida contrariou a “agenda identitária” da esquerda. O recuo é visto como tentativa de desarmar uma crítica da direita em 2026.

Discurso de líder da causa climática esbarra em petróleo na Foz do Amazonas

Dias antes da cúpula ambiental COP 30 em Belém em novembro, na qual Lula apresentou a mudança climática como “uma crise da desigualdade” e vinculou ações ao combate à fome, pobreza, racismo e distância entre países ricos e pobres, o governo autorizou o licenciamento para a Petrobras explorar a bacia de petróleo da Foz do Amazonas, com aval do Ibama, após sérias controvérsias.

Entidades ambientalistas acusaram o Palácio do Planalto de sabotar a COP ao liberar a perfuração do bloco poucas semanas antes da conferência, apontando uma contradição entre o desejo de ser líder da causa climática e a abertura de uma nova fronteira petrolífera. Lula sustentou apenas que queria “fazer o que especialistas do governo e a consciência mandam”.

No campo econômico, o presidente sancionou, em 26 de novembro, a lei que garante isenção total de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil e cria uma tributação mínima de até 10% sobre rendas superiores a R$ 600 mil anuais. Ao defender a medida, Lula repetiu que “os super-ricos precisam pagar a sua parte” para o Estado “poder cuidar dos mais pobres”.

Governo abraça a redução da jornada de trabalho e outras causas radicais

O governo abraçou a causa da redução de jornada de trabalho, de 44 para 36 horas semanais, ignorando os alertas do setor produtivo. O apoio à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada na Câmara por Érika Hilton (PSOL-SP) para flexibilizar a atual escala 6x1 foi visto como a busca por mais convergência entre as correntes da esquerda e reforçar a aliança delas.

Nessa toada, surgem ações que visam o ganho político imediato e jogam as preocupações fiscais para 2027. Lula sancionou o programa Luz do Povo, que garante gratuidade da conta de luz para famílias de baixa renda e amplia descontos para dezenas de milhões de consumidores a partir de 2026. Nessa linha, o Gás do Povo dá botijões gratuitos a 15 milhões de famílias.

Para o cientista político Ricardo Caldas, o terceiro mandato de Lula revela sua essência esquerdista, abandonando de vez o “Lulinha Paz e Amor” criado em 2002 para atrair o Centro. A nova ênfase no “nós contra eles” e em bandeiras como a redução da jornada de trabalho “busca só atualizar a sua imagem na esquerda sem abrir mão de posturas antigas e recorrentes nesse campo político.

No plano externo, Lula amplia alinhamento anti-Ocidente

Nos palcos internacionais, a tônica também tem sido de confronto com o Ocidente. Na Assembleia-Geral da ONU, em setembro, Lula atacou sanções e tarifas comerciais de países desenvolvidos – em especial dos Estados Unidos –, denunciando as “medidas unilaterais e arbitrárias” contra economias emergentes, sem citar diretamente o presidente Donald Trump.

Lula manteve críticas as ações militares em Gaza, defendeu a criação de um Estado palestino e condenou operações israelenses, alinhando-se à narrativa de governos como o da Colômbia e aproximando-se de posições de Cuba e Venezuela. Para a oposição, a postura consolida a imagem de Lula como rival do Ocidente e o claro viés de esquerda de sua diplomacia.