Carlos Bolsonaro, pré-candidato ao Senado por Santa Catarina.
Carlos Bolsonaro não é unanimidade na disputa pela indicação ao Senado no PL de Santa Catarina. (Foto: André Borges/EFE)

Ouça este conteúdo

E lá vai a direita se fragmentar um bocadinho mais. O que se avizinha em Santa Catarina, com a ida de Carlos Bolsonaro ao estado para concorrer ao Senado pelo PL, o que não tem sido bem visto por lá, pode significar algo mais sério do que um estopim para um racha maior do que se imagina dentro do bolsonarismo. Para me fazer entender, precisamos voltar a 2019.

Era o primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro e também da realização da primeira CPAC brasileira. Caso o leitor não saiba do que se trata, a CPAC é considerada “o maior e mais influente encontro de conservadores do mundo”, tendo se iniciado em 1973, nos EUA.

Para ser mais preciso, era outubro de 2019, e o governo, mal tendo dez meses de vida, já sofria as primeiras cisões, com o PSL, então partido de Bolsonaro, brigando internamente a ponto de o presidente do partido, Luciano Bivar, ter desistido de ir ao evento. Um mês depois, Bolsonaro sairia do partido.

Também ali já começaram as divisões com influencers da internet. O youtuber Nando Moura, por exemplo, que participaria do evento, foi desconvidado. O MBL já tinha se afastado pouco antes. Dali por diante, outros rompimentos aconteceriam, como o de Sergio Moro, em 2020. Segundo notícias da imprensa em 2021, em torno de 20 aliados do presidente tinham se tornado seus desafetos em pouco mais de dois anos de mandato. E o número só cresceu, com os irmãos Weintraub se afastando em 2022, por exemplo.

A ida de Carlos Bolsonaro para Santa Catarina parece estar mais relacionada a uma estratégia de defesa da família contra a perseguição judicial que a um cálculo político-eleitoral

Não quero entrar no mérito das brigas, quem tinha razão ou não, apenas relembrá-las para, primeiro, constatar o poder que Jair Bolsonaro possui dentro da direita. Ainda que um ou outro dos que se afastaram venha a conquistar espaço e poder no futuro, fato é que mais perderam se afastando de Bolsonaro do que o contrário.

Esse poder, que já foi maior, fundamentava a visão de futuro que Filipe Martins, então assessor da Presidência, tinha para a direita. Quando proferiu sua palestra naquela conferência de 2019, apresentou quatro eixos de ação para uma direita que já se via perseguida pela imprensa e pelo Poder Judiciário. O primeiro deles, do qual todos os demais dependiam, era: 1. confiar em Jair Bolsonaro por ser o símbolo aglutinador dos valores conservadores.

A partir desta confiança, as ações consequentes deveriam ser: 2. unir os intermediários espalhados em movimentos ou iniciativas individuais em uma instituição sólida sem esperar que isso venha de Bolsonaro; 3. defender os valores conservadores no front cultural, especialmente com a criação de obras artísticas, e mais especialmente ainda com narrativas para “contar a história real do que aconteceu”, novos órgãos de mídia etc.; 4. uma estratégia de mobilização permanente para atuação nas eleições futuras.

VEJA TAMBÉM:

Deixemos o terceiro eixo de lado, que não vem ao caso no momento. O tempo passado é suficiente para afirmar que o segundo ponto não se realizou. Não há instituição sólida a unir os intermediários. O PL não guarda muita diferença do antigo PSL, que nem mais existe. Sua unidade depende mais de conveniências político-eleitorais que de valores e princípios.

O que significa dizer que o ponto 4 tampouco se cumpriu, não existindo uma estratégia de mobilização eleitoral que consiga se manter permanente, pelo contrário. Só lembrar das confusões nas eleições municipais, com cidades tendo mais de um candidato supostamente apoiado por Bolsonaro, que mal apareceu em algumas campanhas, como na da prefeitura de São Paulo.

Será também uma das causas da possível divisão em Santa Catarina. A ida de Carlos Bolsonaro para o estado parece estar mais relacionada a uma estratégia de defesa da família contra as perseguições judiciais notórias que sofre do que a um cálculo político-eleitoral. Se fosse cálculo político, faria mais sentido Carlos se mudar para algum estado onde não existem nomes fortes do PL ou composição pronta para formar uma chapa.

Se Santa Catarina se fragmentar, o que se perderá é mais que simples aliados, mas algo estruturado para durar além de um ciclo eleitoral

Essa hipótese ganha peso porque, para conter a possível rebelião catarinense, a família recorre exclusivamente a um argumento que deveria ser desnecessário: o apelo à lealdade pessoal em vez da lógica política ou institucional. E assim voltamos ao primeiro ponto de Filipe Martins. Pelo histórico, ir contra a vontade de Jair Bolsonaro não parece ser boa estratégia.

Mas há algo diferente em Santa Catarina. Creio que em nenhum outro estado o PL possui algo que se aproxime da instituição pedida por Filipe Martins no segundo ponto. As lideranças que se tornaram deputados estaduais e federais trabalharam durante esses anos para criar uma base de militância com centenas de vereadores e prefeitos eleitos. Uma máquina político-eleitoral consistente que, por isso mesmo, possui uma estratégia duradoura para o futuro, conforme apontado no quarto ponto.

É por isso que é compreensível o desconforto de muitos catarinenses com a imposição de Carlos Bolsonaro de cima para baixo, pois isso transcende a eleição do momento ou a vaidade de candidatos preteridos. Ou seja, se Santa Catarina se fragmentar, o que se perderá é mais que simples aliados, mas algo estruturado para durar além de um ciclo eleitoral. Seria desarticular uma das poucas coisas que a direita conseguiu de fato construir desde 2019.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos