Maria Branyas Morera foi uma das pessoas mais velhas já registradas no mundo.
Maria Branyas Morera, a supercentenária, foi uma das pessoas mais velhas já registradas no mundo, com 117 anos e 168 dias. (Foto: Wikimedia Commons )

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Nos últimos anos de vida, a supercentenária Maria Branyas Morera morava em Olot, na Catalunha, cercada por lembranças e pela tranquilidade de uma rotina discreta. Aos 117 anos e 168 dias, ela foi uma das pessoas mais velhas já registradas no mundo e se permitiu ser estudada por cientistas, interessados em desvendar os segredos da longevidade extrema.

Hoje, seu nome aparece em debates sobre genética, metabolismo e microbioma. Mas o que talvez explique sua resistência vai além da biologia: está também nas escolhas, nos vínculos e na forma como viveu.

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A vida por trás dos números da supercentenária

Nascida em 4 de março de 1907, em San Francisco (EUA), Maria mudou-se ainda criança para a Catalunha, onde viveu quase toda a vida. Testemunhou guerras, epidemias e revoluções tecnológicas.

Em 2020, contraiu Covid-19 com sintomas leves e ficou conhecida como uma das pessoas mais idosas a sobreviver à doença.

Até idades muito avançadas manteve lucidez e certa autonomia – com audição reduzida e limitações esperadas, mas sem doenças graves. Sua disposição em colaborar com a ciência, doando amostras de sangue, saliva e urina, transformou seu corpo em um raro “mapa” da longevidade humana.

O que a ciência descobriu sobre a saúde da centenária de 117 anos?

O caso de Maria Branyas revela que não há uma única causa para viver tanto tempo, mas um mosaico de fatores biológicos, genéticos e ambientais.

Pesquisadores liderados por Manel Esteller, da Universidade de Barcelona, analisaram diferentes camadas biológicas e descobriram que os “relógios epigenéticos”, que estimam a idade biológica, mostravam células de Maria entre 10 e 23 anos mais jovens do que sua idade cronológica.

Outro achado chamou atenção: seus telômeros que são as estruturas que protegem os cromossomos, estavam bastante curtos, como seria esperado, mas o impacto disso parecia compensado por outros mecanismos de reparo e imunidade.

Para os cientistas, a longevidade extrema pode envolver justamente esse tipo de “compensação”: fragilidades em um sistema neutralizadas pela eficiência de outro.

Microbioma intestinal: um espelho de juventude

Entre os fatores mais intrigantes ligados à longevidade está o microbioma intestinal – o conjunto de microrganismos que habitam o trato digestivo. O de Maria se assemelhava ao de uma pessoa décadas mais jovem, com grande diversidade bacteriana e abundância de Bifidobacterium, conhecidas por seus efeitos anti-inflamatórios e protetores do intestino.

Ciência investiga genética e hábitos da centenária de 117 anos.Ciência investiga genética e hábitos da centenária de 117 anos. (Foto: Julien Tromeur | Unsplash)

Ela também tinha o hábito de consumir iogurte diariamente, até três vezes ao dia. Os pesquisadores acreditam que esse costume ajudou a preservar o equilíbrio do microbioma, já que o iogurte é fonte natural de probióticos – microrganismos que fortalecem a flora intestinal e reduzem inflamações.

Enquanto a maioria dos idosos perde diversidade bacteriana com o tempo, Maria manteve um intestino “jovem”.

Hábitos e ambiente: escolhas que contam

As descobertas biológicas impressionam, mas o estilo de vida também tem peso. Maria nunca fumou nem bebeu álcool, escolhas que reduzem o estresse oxidativo e os danos celulares. Sua alimentação seguia o padrão mediterrâneo, com peixes, frutas, vegetais e azeite de oliva, e pouco espaço para produtos processados.

Ela também mantinha laços sociais fortes e uma atitude equilibrada diante das perdas e mudanças, fatores que são cada vez mais associados à longevidade.

Ao permitir que fosse estudada, a supercentenária revelou consciência e generosidade. Difícil saber se esses hábitos foram causa ou consequência de sua biologia excepcional, mas o padrão se repete entre os que vivem mais: moderação, vínculos e propósito.

O que podemos aprender com a supercentenária: pistas, não receitas

O legado de Maria Branyas Morera não é um manual de vida longa, mas uma coleção de pistas. Seu corpo ajuda a ciência a compreender os limites da biologia humana.

Sua história, por outro lado, lembra que envelhecer bem talvez dependa menos de segredos e mais de constância: moderação, equilíbrio, relações saudáveis e respeito ao próprio corpo. Para os pesquisadores, ela foi uma aliada rara. Para nós, um lembrete: longevidade não é sorte e sim projeto.