Governo quer aumentar carga tributária sobre fintechs e medida pode afetar bolso dos correntistas
Governo quer aumentar carga tributária sobre fintechs e medida pode afetar bolso dos correntistas. (Foto: Imagem criada utilizando Dall-E/Gazeta do Povo)

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A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado debate um projeto de lei que eleva a tarifa cobrada sobre o lucro de fintechs de 9% para 15%, o que corresponde a um aumento de 66% na taxação. Mesmo que o governo alegue que o incremento visa reduzir um certo descompasso tributário entre essas empresas de tecnologia financeira e os bancos tradicionais, especialistas indicam que a nova alíquota deve afetar o bolso de quem usa os serviços de bancos digitais.

O repasse do aumento dos tributos para o público pode ocorrer das mais diversas formas, desde as mais evidentes – como passar a cobrar tarifas para abertura de contas, anuidades de cartão de crédito e saques – até as mais sutis, como redução de serviços premium ou aumento em seus preços, afetando programas de cashback, saques em outros bancos ou atendimento priorizado.

Tatiana Migiyama, professora em Gestão Tributária na Fipecafi, comenta que o aumento será sobre a alíquota de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e não sobre cada operação e que, portanto, o repasse não é automático. Ainda assim, ela vê risco de repasse nos casos citados e em outros.

Migiyama também prevê impactos no mercado de crédito. “Modelos de concessão de crédito que hoje atendem públicos com pouco histórico de crédito podem ficar mais conservadores, aprovando menos operações marginais”, afirmou.

O especialista em direito tributário Marco Antônio Ruzene também avalia que o incremento da alíquota será repassado, em algum momento, aos clientes. A amplitude e o momento do repasse dependem da estratégia comercial, do ambiente de competição no mercado e dos contratos vigentes. Mesmo assim, o tributarista observa que a tendência econômica estrutural é de que incrementos tributários acabem incorporados ao preço final pago pelo usuário.

Modelos de negócios de fintechs podem ser impactados

Um dos pontos levantados por Cristina Helena Pinto de Mello, professora de Economia da PUC-SP, é que a alta da CSLL ainda poderá ter efeito no modelo de negócio das fintechs. “Esse aumento de imposto pode tirar o apetite das fintechs, o grande crescimento que tiveram, e isso pode acarretar perda de dinamismo e de inovação no sistema financeiro”, comentou.

Ela avalia que as fintechs tiveram grande crescimento porque são mais “agressivas” em sua atuação no mercado, em parte, por causa de alguns benefícios dos quais se valiam e que têm sido reduzidos. Além do aumento das alíquotas, Cristina Helena cita que, com a crise e a decisão do Banco Central de liquidar o Banco Master, a contribuição das fintechs para o Fundo Garantidor de Crédito (FGC) pode sofrer alterações.

De acordo com a professora, a liquidação do Master e os impactos no FGC podem fazer com que as fintechs sejam instadas a contrubuir mais com o fundo, que conta com aportes mais vultosos dos bancos tradicionais. No entanto, caso seja aprovada a nova alíquota de CSLL para as fintechs, ela avalia que as empresas irão alegar que não têm capacidade de aumentar a contribuição, diante do aumento nos tributos.

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Mesmo influenciados por outros fatores, juros podem subir

A elevação dos juros, que ajudaria a restringir o mercado de crédito, é uma possível resposta ao aumento da alíquota para as fintechs, mas sofre influência de outros fatores. Segundo Carlos Pinto, diretor do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), questões relativas a juros e empréstimos consignados são regulamentadas pelo Banco Central e pela economia.

Ele não vislumbra que a elevação da CSLL das fintechs fará com que aumentem a taxa de juros, pois os parâmetros são totalmente distintos das tarifas cobradas pelo uso do cheque especial e do cartão de crédito, por exemplo.

Fatores como a taxa Selic, o custo de captação de recursos, o risco de inadimplência, o público atendido e a competição direta com bancos tradicionais e outras fintechs são importantes na determinação da taxa de juros para empréstimos pessoais e consignados, afirma Tatiana Migiyama.

Mesmo assim, a professora da Fipecafi avalia que a alta da taxação das fintechs pode influir na equalização dos juros de forma indireta. Com o custo tributário elevado, há pressão maior pela rentabilidade das carteiras de crédito. Em tese, isso pode levar ao aumento de juros em linhas em que as fintechs têm mais liberdade de precificação.

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Governo alega necessidade de isonomia entre fintechs e bancos tradicionais

Antes mesmo da apresentação do PL 5473 pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) – que, além de elevar a taxação das fintechs, quer dobrar a das bets, entre outras propostas –, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já havia se posicionado em favor da medida.

No início de outubro, o Congresso Nacional deixou expirar a MP 1303, que, assim como o projeto de Calheiros, previa a elevação da CSLL das fintechs de 9% para 15%. Na ocasião, Lula declarou que a elevação da alíquota para as empresas de tecnologia financeira era uma das medidas visadas para reaver a arrecadação perdida com a queda da MP.

“Eu vou reunir o governo para discutir como é que a gente vai propor que o sistema financeiro, sobretudo as fintechs, que tem fintech hoje maior do que banco, que elas paguem o imposto devido a este país”, disse o mandatário em entrevista à Rádio Piatã, da Bahia, no dia 9 de outubro.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), chegou a afirmar que o governo insistiria na taxação das fintechs porque “não existe Supersimples para instituição financeira”. “Instituição financeira tem que pagar a mesma tributação”, disse o ministro. Ele também disse que “tem fintech que é dez vezes maior que banco” e paga uma tributação inferior.

Bancos e fintechs travam "rinha" por alíquotas

Logo após as declarações, teve início uma troca de acusações entre bancos e fintechs sobre quem paga mais impostos. Roberto Campos Neto, ex-presidente do Banco Central e atual chefe global de políticas públicas e vice-presidente do Nubank, chegou a propor uma alíquota de 17,5% para todas as instituições financeiras.

De acordo com o executivo, a cobrança seria uma taxa de imposto efetiva (ETR, na sigla em inglês), que equivale ao percentual real de impostos que uma empresa paga sobre sua renda tributável. Considerando esse parâmetro, as fintechs teriam pago mais tributos do que os grandes bancos em 2024 — o Nubank afirma que a taxa efetiva de impostos que pagou no ano passado foi de 34%.

Por seu lado, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirmou que a alíquota efetiva (ETR) não reflete os impostos efetivamente recolhidos, pois as fintechs teriam uma margem bruta maior, o que permitiria mais deduções. De acordo com os cálculos da entidade, a margem de lucro de grandes bancos como Bradesco, Itaú e Santander ficou entre 9,5% e 15% em 2024, enquanto a do Nubank foi de 23%. Assim, por mais que a alíquota efetiva seja maior, seu efeito contábil seria menor.

Os cálculos das fintechs e da Febraban divergem em relação à alíquota efetiva média (CSLL + IRPJ) paga em 2024. De acordo com as empresas tecnológicas, a soma dos tributos para os bancos tradicionais chega a 12,2%, contra 29,7% das fintechs. Já para a federação dos bancos, as alíquotas seriam 22,8% e 26,5%, respectivamente.

Avanço das fintechs incomodou bancos tradicionais

Cristina Helena, da Mackenzie, afirma que, no Brasil, o setor bancário sempre foi muito concentrado. Por sua estrutura mais ágil, com custos mais baixos e maior escalabilidade em razão das vantagens tecnológicas, as fintechs começaram a atuar em uma “franja” não abarcada pelos grandes bancos, trazendo um “certo frescor”, afirmou a professora.

“As fintechs têm feito um trabalho importante onde há falhas de mercado. Permitiram a inclusão financeira, especialmente da população mais pobre ou de regiões onde não há interesse dos bancos em manter agências, onde os bancos tradicionais não são tão presentes. As fintechs vêm corrigindo essas falhas de mercado”, comentou.

Por essa razão, haveria pressão do setor bancário tradicional no sentido de extinguir as desigualdades estruturais entre ambos os setores, o que vai ao encontro do discurso do governo de gerar maior isonomia no setor.