A esquerda brasileira mimou Merz como herói climático e levou um tapa diplomático: servilismo travestido de idealismo ecológico. (Foto: Imagem criada utilizando Chatgpt/Gazeta do Povo)

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Convenhamos: existe um sabor de justiça poética – daquelas que só a política tropical proporciona – em ver a esquerda brasileira correr para paparicar Friedrich Merz, apresentá-lo como farol civilizatório, exemplo de maturidade democrática, guardião do clima, defensor da floresta... para depois assistir ao chanceler alemão devolver todo esse carinho com a afirmação de que Belém é, basicamente, um castigo geográfico, uma punição climática.

Depois de ser recebido com tapete verde estendido, açaí orgânico na bandeja e discurso pronto sobre “parceria estratégica pelo clima”, mal voltou à Alemanha e Merz cuspiu nos brasileiros sem qualquer pudor, com um comentário de turista enjoado com o calor e a umidade da floresta que ele finge defender. Como se dissesse: “Graças a Deus saímos daquele lugar! Que nojo de país quente, úmido e cheio de pobre! Que lugar desagradável!”.

A cena lembra uma comédia romântica mal produzida, daquelas em que o espectador já sabe que a protagonista está investindo no homem errado, mas insiste em acreditar no príncipe encantado – até que ele solta, com naturalidade desconcertante, que a casa dela tem um cheiro estranho.

É um caso típico de amor não correspondido. A esquerda brasileira trata qualquer político alemão que junte na mesma frase as palavras “Klima” e “Amazonien” como se fosse um misto de Gandhi com Greta Thunberg. Deslumbrada, age como fã-clube de colonizador: organiza encontros fotogênicos à beira de rios e tira selfies ao lado do convidado, tudo para mostrar ao mundo que está alinhada com a modernidade ecológica.

É uma coreografia quase infantil, que traduz um desejo freudiano de obter a aprovação do irmão mais velho – aquele que, supostamente, vai elogiar seus modos, validar suas escolhas e premiá-la com um selo civilizatório, algo como: “O Brasil é um país em vias de amadurecimento ambiental”. Mas o irmão mais velho, como acontece na vida real, tem pouca paciência com o caçula que implora atenção. Sorri para a foto, mas faz chacota depois.

Merz não traiu ninguém: apenas verbalizou, com sinceridade inusual, a tradição europeia de cobrar virtude ambiental alheia enquanto continua poluindo como se não houvesse amanhã. Não é novidade.

Em um passado recente, Olaf Scholz virou guru, e Robert Habeck virou crush intelectual. Friedrich Merz? Ah, Merz era o moderado, o sensato, o pragmático iluminado que viria ensinar ao brasileiro selvagem como se comporta um adulto no século 21.

Para a elite política europeia, o Brasil continua sendo apenas um cenário exótico, útil para discursos em Davos, fotos com índio, hashtag em alemão no Instagram e acordos climáticos que só atendem aos seus próprios interesses: um playground para posar como salvadora.

Mas o Brasil não é admirado por aqueles que usam a Amazônia como palco moralista: é instrumentalizado. Enquanto a defesa da floresta serve como argumento retórico, ótimo. Mas bastam cinco dias de calor e mosquitos para que o encanto civilizatório se dissipe.

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A melhor parte vem agora: de repente, do dia para a noite, a mesma esquerda que lambia as botas de Merz descobriu que ele é um monstro. Fascista! Racista! Misógino! Ecofóbico! Homofóbico! Até “climato-cético!” já li por aí. Ontem Merz era o chanceler moderado que ia salvar o planeta junto com o Brasil; hoje é a reencarnação de Pinochet com sotaque bávaro. O castelo de admiração se desmanchou como neve alemã no sol amazônico.

A esquerda brasileira, que até ontem rasgava elogios ao europeu sério e comprometido, se viu diante do espelho, com o rosto coberto pela cusparada diplomática. Essa esquerda passou anos acusando qualquer um que criticasse o paternalismo europeu de “direita raivosa” e “negacionista”. Agora, quando o europeu cospe no prato que ela mesma ofereceu, corre para o repertório de xingamentos de sempre.

Submissa aos patrões ambientais, essa esquerda que sonha com bolsas de estudo em Berlim defendeu o acordo Mercosul–UE como se fosse o Evangelho segundo Greta, ignorando todas as cláusulas de dependência e submissão comercial ali embutidas. Bastava um europeu levantar uma sobrancelha para virar referência moral incontestável.

A súbita reviravolta é quase comovente. Trata-se, é claro, de uma indignação teatral, inflamada e tardia, mas acima de tudo divertida: os mesmos que ergueram Merz como herói civilizatório agora fingem que o alemão nunca foi um crush político. É o clássico mecanismo de autodefesa: se a realidade desmente a fantasia, melhor acusar o ídolo de monstruosidade do que admitir o próprio servilismo diplomático. É mais fácil do que reconhecer que, mais uma vez, trocaram dignidade por likes europeus.

Mas é bem-feito. Quem trata chanceler europeu como guru climático acaba ouvindo sermão de turista reclamão. Quem acha que solidariedade internacional se faz de joelhos diante do branco rico merece mesmo ser tratado como atração turística.

O lobo vestido de Chapeuzinho Verde nunca prometeu nada: simplesmente aceitou os mimos, sorriu para a câmera e depois disse o que realmente pensava. Merz fez apenas o papel que a História lhe reserva: o do europeu que exige responsabilidade ambiental do mundo. Já a esquerda brasileira fez o papel que insiste em interpretar: o de colonizado humilhado que, em vez de aprender a lição, finge acreditar que o colonizador virou vilão da noite para o dia.

A esquerda, agora se fazendo de enfurecida, tenta varrer para baixo do tapete ecológico a própria postura submissa – mas o vexame é público e global. E pedagógico: ele ensina, da maneira mais humilhante possível, que europeu em visita ao Brasil não é aliado: é patrão em férias. Quem sabe agora parem de lamber botas alemãs e comecem a lamber as próprias feridas. A floresta agradece.