Diante de crisde de liquidez do Banco Master, Banco Central decretou liquidação extrajudicial que irá afetar Fundo Garantidor de Crédito
Diante de crisde de liquidez do Banco Master, Banco Central decretou liquidação extrajudicial que irá afetar Fundo Garantidor de Crédito (Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil)

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O Banco Central decretou nesta terça-feira (18) a liquidação do Banco Master após identificar indícios de emissão fraudulenta de títulos — operação que deve custar até R$ 50 bilhões ao Fundo Garantidor de Créditos (FGC), cerca de um terço de todo o fundo que protege depositantes e investidores do sistema financeiro. É o maior resgate da história do FGC e fragiliza a proteção para eventuais crises futuras.

Embora especialistas avaliem como baixo o risco de crise sistêmica que atinja todo o mercado financeiro, a liquidação enfraquece a confiança em bancos de médio porte e levanta dúvidas sobre a capacidade do FGC de absorver impactos futuros de magnitude similar.

O conglomerado Master detém 0,57% do ativo total e 0,55% das captações totais do Sistema Financeiro Nacional (SFN), segundo o Banco Central — porte que, embora limitado, não elimina riscos de contágio para bancos médios.

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O Fundo Garantidor de Créditos (FGC) assegura a restituição de até R$ 250 mil por CPF, por instituição, aos clientes que têm depósitos e investimentos no Master. Estão cobertos CDBs (Certificados de Depósito Bancário), LCIs (Letras de Crédito Imobiliário), LCAs (Letras de Crédito do Agronegócio), poupança, Letras de Câmbio e depósitos à vista e contas-salário.

Cálculos preliminares de analistas do mercado financeiro indicam que a captação total do FGC é de cerca de R$ 120 bilhões, enquanto os custos com a liquidação do Master podem variar de R$ 40 a R$ 50 bilhões — cerca de um terço de todo o fundo. Ainda não há dados oficiais sobre esses valores, que possivelmente só serão finalizados após a liquidação total do conglomerado.

O Banco Central (BC) anunciou nesta terça-feira (18) a liquidação extrajudicial — processo que encerra administrativamente as atividades da instituição — de quatro empresas do conglomerado Master: Banco Master S/A, Banco Master de Investimento S/A, Banco Letsbank S/A e Master S/A Corretora de Câmbio, Títulos e Valores Mobiliários.

Uma quinta empresa, o Banco Master Múltiplo S/A, entrou em Regime Especial de Administração Temporária (RAET). O regime diferenciado visa preservar o funcionamento de sua controlada, a Will Financeira, diante do interesse de compradores no Will Bank.

O BC designou a EFB Regimes Especiais de Empresas como liquidante. Com a liquidação, o BC determinou a indisponibilidade dos bens de duas empresas, três controladores e oito ex-administradores.

A crise do Master escalou ao longo dos últimos meses:

  • Março: BRB anuncia compra de parte dos ativos
  • Maio: Master recorre a R$ 4 bi do FGC
  • Segunda-feira (17): Fictor anuncia compra
  • Terça-feira (18): BC decreta liquidação; Fictor cancela negócio

A liquidação extrajudicial é decretada pelo Banco Central quando as instituições apresentam dificuldades irreconciliáveis para honrar seus compromissos ou quando violam gravemente as normas. No caso do Master, o BC identificou indícios de emissão fraudulenta de títulos.

Após a decisão do BC, o Grupo Fictor cancelou a compra do Master, que havia sido anunciada na segunda-feira (17), em parceria com um fundo dos Emirados Árabes Unidos.

Especialistas veem risco sistêmico limitado

Cristina Helena Pinto de Mello, professora de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo(PUC-SP), afirma que é baixo o risco de crise sistêmica atrelada à liquidação do Master. "Me parece que não há uma ligação que possa passar para frente, que possa alastrar, como ocorreu, por exemplo, no caso dos Estados Unidos, com a falência do banco Lehman Brothers em 2008", disse. A quebra do banco americano gerou um efeito cascata em todo o sistema e teve reflexos no mundo inteiro com a maior crise global em 80 anos.

Da mesma forma, Jorge Ferreira dos Santos, professor de Administração na ESPM, afirma que o porte limitado do Master no Sistema Financeiro Nacional reduz o risco de uma crise sistêmica.

No entanto, o docente alerta para o risco de haver uma corrida aos bancos médios, como o Master. Santos chama atenção para um possível efeito contágio para as demais instituições financeiras de médio porte. Nesse caso, por conta da liquidação do Master, a confiança dos clientes nessas instituições cairia e eles passariam a buscar os grandes bancos.

"Isso pode provocar uma corrida aos bancos de médio porte e trazer um agravamento da situação, porque o efeito contágio costuma afetar bastante o ecossistema em que a instituição financeira está inserida", comentou.

Interconexão do sistema pode gerar efeito contágio

Apesar da baixa possibilidade de que a crise se alastre de forma generalizada, Marília Milani, head de contencioso do CBA Advogados, avalia que o risco sempre existe, devido à interconexão do sistema financeiro.

"As operações no sistema financeiro são interligadas, e operações financeiras geralmente são realizadas com base na confiança. Porém, dentro do Sistema Financeiro Nacional existem estruturas e ferramentas para minimizar eventuais impactos quando é decretada uma intervenção pelo Banco Central, como ocorreu com o Master", disse.

Já o especialista em direito empresarial Henrique Arake entende que a liquidação extrajudicial de qualquer instituição financeira, mesmo de porte menor, como o Master, não pode ser tratada como evento totalmente isolado dentro da teia complexa do Sistema Financeiro Nacional.

"A interconexão é uma realidade estrutural: é improvável que outras instituições e fundos de investimento não possuam títulos de dívida, como Certificados de Depósito Bancário (CDBs), de emissão do Banco Master, ou que tenham exposição a outras operações vinculadas ao Master", afirma.

Fundos de previdência estaduais devem ser afetados

Na mesma linha, Hugo Garbe, professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, comenta que há uma exposição relevante de fundos de previdência a títulos emitidos pelo Banco Master, o que amplia o impacto da liquidação e evidencia o papel do efeito multiplicador na economia.

Ele explica que diversos fundos de previdência de servidores estaduais e municipais investiram volumosamente em letras financeiras emitidas pelo Master, sem cobertura do FGC. "Juntos, esses fundos aplicaram aproximadamente R$ 1,7 bilhão nesses títulos. Em alguns casos, essas aplicações representam fatias expressivas do patrimônio das entidades", disse.

Segundo o professor, o fundo dos servidores do Rio de Janeiro, por exemplo, alocou quase R$ 1 bilhão. Municípios como Cajamar, São Roque, Aparecida de Goiânia, Araras e Santo Antônio de Posse também destinaram parcelas significativas de suas carteiras a papéis do conglomerado.

Garbe afirma que a previdência pública envolve um elo direto com as finanças dos municípios e dos estados. "Caso os fundos precisem provisionar perdas expressivas, há possibilidade de redução na capacidade de pagamento de aposentadorias, desequilíbrios atuariais e pressão adicional sobre os orçamentos públicos. É nesse ponto que o efeito multiplicador se manifesta de forma clara", afirma.

BC atuou rapidamente para conter impactos

Diante dos possíveis agravamentos da crise, a avaliação do mercado é de que o Banco Central agiu rapidamente para conter a situação e manter a confiança no Sistema Financeiro Nacional (SFN).

Rafael Junior Soares,  professor da PUC-PR comenta que, diante dos indícios de emissão fraudulenta de títulos por parte do Master, o Banco Central foi diligente e atuou rapidamente, a fim de estancar a situação antes que ela se alastrasse e pudesse causar danos maiores ao sistema.

Segundo ele, a garantia do FGC, cuja conta é suficiente para ressarcir todos os investidores lesados pela liquidação do Master, também é fundamental para manter a confiança no sistema. "Aqueles que ultrapassarem o teto de R$ 250 mil entram numa fila, porque tudo aquilo que for liquidado do Banco Master ficará depositado e, eventualmente, será destinado à devolução de valores para esses investidores", disse.

Investidores terão que esperar até reaver recursos

Ainda com essas garantias, o investidor não será ressarcido imediatamente. Jorge Santos, da ESPM, afirma que o FGC é muito usado para "propagandear" a venda de produtos de investimento, mas o resgate não é automático e precisa cumprir toda uma burocracia.

"Há um processo regulatório e um processo auditado, inclusive, no qual o FGC vai efetuar pagamentos de acordo com o cumprimento de alguns ritos burocráticos. Ou seja, o investidor que perdeu uma quantidade de dinheiro ou que tinha até R$ 250 mil não chega no dia seguinte e saca o dinheiro no FGC", explicou.

De acordo com o professor, após a liquidação — no caso do Master e de outras empresas do conglomerado, que ocorrerá daqui a 120 dias —, o FGC faz uma comunicação na qual, normalmente, figura a lista dos investidores afetados. Após a divulgação dessa lista, o prazo para resgate é de aproximadamente 20 a 60 dias úteis.