Admissibilidade: Eduardo Tagliaferro, durante reunião entre TSE e plataformas digitais. O STF julga hoje se torna Tagliaferro réu por suposta violação de sigilo funcional.
Eduardo Tagliaferro, durante reunião entre TSE e plataformas digitais, quando ele ainda era assessor do tribunal. (Foto: Antonio Augusto/TSE)

Não foi por falta de aviso. Em 10 de setembro de 2020, quando assumiu a presidência do Supremo, o ministro Luiz Fux, experiente juiz de carreira, advertiu o tribunal de que o ativismo judicial, a judicialização da política, estavam arrastando o Supremo a um caminho destruidor da corte suprema de justiça: “um protagonismo deletério, corroendo a credibilidade dos tribunais quando decidem questões permeadas por desacordos morais que deveriam ter sido decididas no parlamento”. Desde então, a situação só piorou, com o então presidente Luís Roberto Barroso defendendo abertamente a mudança para tribunal político. Hoje o Supremo gera mais noticiário político que o Congresso Nacional, como agora, no caso Tagliaferro.

O coordenador da assessoria de combate à desinformação no TSE, acusado de violência doméstica, teve o celular apreendido pela polícia. Depois, saíram cobras e lagartos do celular de Tagliaferro, por onde circularam ordens como usar a imaginação para pegar a revista Oeste. Pois Tagliaferro, agora, está no Supremo como réu, depois de ser aceita a denúncia, por Alexandre de Moraes, seu ex-chefe, e demais ministros da Primeira Turma. Os crimes abundam: obstrução a investigações, violação do sigilo profissional, coação em processo, e até abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Essa última ficaria bem clara, se ele usasse a imaginação para impor censura à revista Oeste e bloquear suas contas. Kafka não imaginaria tanto.

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O editorial do Estadão julgou tudo um absurdo, já que o suposto atingido, o ministro Moraes, é o juiz que julga seu ofensor. Ele poderia se julgar parte interessada, envolvida, declarar-se suspeito e não votar; ainda assim, Zanin, Cármen e Dino garantiriam que Tagliaferro se tornaria réu. Mas votou também – e como relator. O Estadão manifestou sua discordância no editorial. O jurista Ives Gandra Martins foi além: perguntou, numa postagem, por que, em lugar de processar Tagliaferro, não se investiga o fato de um juiz aparecer como criador de provas, em vez de julgador em função de provas. Ives Gandra pergunta por que Moraes não demonstra que está isento dessas ordens nada republicanas. Ademais, afirma ele, não há quebra de sigilo quando o artigo 37 da Constituição estabelece que a administração pública obedece ao princípio da publicidade.

Tudo isso, todo esse desgaste, todo desvio de finalidade, se deve ao fato de o Supremo ter-se considerado um ente político. Impossível. Para ter poder político, precisaria ter o voto da origem do poder. A procuração do eleitor, que é dada ao chefe do Poder Executivo e a cada um dos deputados e senadores. O Supremo é o gerador de todas as críticas que recebe; da perda de sua credibilidade, do respeito. Não soube resistir, como Ulisses, ao canto das sereias da política, que oferece poder. O destino de um tribunal que deixa entrar a política pela porta de ingresso de seus membros é ver a justiça sair pela porta da frente, entregando-se ao povo, a quem deve servir.

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Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos