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Há discussões que, por muito tempo, ficaram em segundo plano no debate público brasileiro, mas que já não podem ser adiadas. A liberdade religiosa é uma delas. Não apenas porque vivemos um momento de tensões crescentes em torno da presença da fé no espaço público, mas porque o cenário global – e, sobretudo, continental – exige um novo nível de maturidade jurídica, institucional e cultural para lidar com o tema.
As Américas têm um dos sistemas internacionais de proteção aos direitos humanos mais relevantes do mundo. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a Comissão Interamericana e a Corte Interamericana formam um arcabouço normativo e jurisprudencial que há décadas orienta Estados (leia-se, os países-membros), abre caminhos para reformas internas e protege indivíduos diante de violações graves.
No entanto, exatamente no campo em que as tensões contemporâneas mais se intensificam, a liberdade religiosa e de consciência, há uma lacuna institucional que se tornou difícil de ignorar: o sistema interamericano não dispõe de um órgão especializado, uma câmara, uma relatoria ou mesmo um mecanismo permanente dedicado a tratar de forma sistemática e técnica das questões envolvendo a fé e sua expressão pública.
As Américas têm um dos sistemas internacionais de proteção aos direitos humanos mais relevantes do mundo, mas ainda há lacunas importantes no sistema multilateral pan-americano
Essa ausência pesa. O continente assiste a um aumento visível de conflitos relacionados ao exercício da religião, restrições administrativas que beiram arbitrariedades, tentativas de enquadrar manifestações de fé como ilícitos, disputas simbólicas, casos de perseguição direta em alguns países e uma crescente dificuldade, em várias democracias, de distinguir neutralidade estatal de supressão do religioso. Tudo isso exige clareza doutrinária, padrões interpretativos sólidos e uma institucionalidade capaz de produzir orientações consistentes. Sem isso, perdemos referências comuns e vemos Estados com leituras cada vez mais divergentes sobre um direito que, na verdade, deveria ser universalmente protegido.
A discussão ganha contornos ainda mais relevantes quando lembramos que o Brasil está submetido à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Decisões judiciais, políticas públicas e atos administrativos brasileiros podem ser objeto de responsabilização internacional quando violarem direitos fundamentais, inclusive aqueles relacionados à liberdade religiosa. Em um país que concentra grande diversidade confessional, com presença marcante da fé no cotidiano comunitário e crescente judicialização de temas religiosos, não compreender os parâmetros interamericanos significa atuar às cegas, e potencialmente fragilizar o país no cenário internacional.
Infelizmente, ainda é comum encontrar operadores do Direito, autoridades e parlamentares que pouco conhecem sobre como funciona esse sistema, quais são seus precedentes, como os casos chegam à corte e quais são as consequências práticas de suas decisões. Essa falta de familiaridade não apenas reduz a eficácia da atuação jurídica nacional como impede que o Brasil desempenhe um papel protagonista na construção de padrões interamericanos que promovam, com equilíbrio e responsabilidade, a liberdade religiosa em sua integralidade. Formar quadros tecnicamente preparados para dialogar com o sistema (e também para influenciá-lo e aperfeiçoá-lo) é, portanto, um passo crucial.
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É nesse contexto que, nos dias 11 e 12 de dezembro, Brasília sediará o 6.º Congresso Brasileiro de Direito Religioso do IBDR, com participação presencial e online, sob o tema: “Liberdade Religiosa nas Américas: desafios e caminhos”. Ao longo dos últimos anos, o IBDR tem buscado construir um espaço de diálogo público sério, plural e qualificado sobre o papel da religião na vida democrática, e sobre os limites e responsabilidades do Estado em relação à fé. Agora, o congresso amplia o horizonte e convida o país a olhar também para o contexto continental, para seus riscos e suas possibilidades.
A proposta não é apenas descrever problemas, mas provocar a imaginação institucional: como desenvolver mecanismos mais eficazes de proteção à liberdade religiosa no sistema interamericano? Como suprir essa lacuna estrutural? Que parâmetros podem ser consolidados? Como preparar profissionais capazes de atuar, com precisão técnica, diante de um tema que atravessa direito constitucional, política, antropologia, cultura e identidade? E, sobretudo, como garantir que a fé – expressão profunda da dignidade humana – não seja tratada como um fator de risco, mas como um elemento legítimo da vida pública?
Ao aprofundar esse debate, o congresso pretende contribuir para a formação de uma geração de profissionais e líderes capazes de lidar com a crescente complexidade do tema. Professores, magistrados, membros do Ministério Público, defensores, advogados, parlamentares, dirigentes comunitários, pastores e acadêmicos terão a oportunidade de compreender com mais profundidade como o sistema interamericano funciona, como deve ser acionado e como pode ser aprimorado. Esse conhecimento não apenas qualifica a atuação jurídica e política do Brasil, como fortalece a própria democracia, que depende de liberdades robustas para florescer.
Proteger a liberdade religiosa nas Américas exige mais do que boas intenções: exige preparo, inteligência institucional e uma comunidade disposta a pensar grande
O que está em jogo, afinal, não é apenas um debate jurídico, mas um elemento civilizacional. A liberdade religiosa sempre foi a primeira sentinela das demais liberdades. Quando ela é restringida ou mal compreendida, o tecido democrático rapidamente se deteriora. É por isso que discutir sua proteção no plano continental (e não apenas nacional) é tarefa urgente para qualquer sociedade que deseje permanecer livre.
E é justamente esse movimento que o Congresso pretende inaugurar.
No fim das contas, proteger a liberdade religiosa nas Américas exige mais do que boas intenções: exige preparo, inteligência institucional e uma comunidade disposta a pensar grande. Se este tema o inquieta, se você percebe que o debate sobre fé e liberdade atravessa o futuro jurídico, político e cultural do Brasil, então este encontro é para você. Presencialmente ou on-line, participe do 6.º Congresso Brasileiro de Direito Religioso do IBDR. Venha ouvir, questionar, aprender e ajudar a desenhar os caminhos possíveis para que a liberdade religiosa seja efetivamente protegida em nosso continente.
As Américas ainda não têm uma instância especializada nesse tema. Mas têm pessoas capazes de começar essa mudança. Esperamos você!
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

