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O eleitorado evangélico, que cresceu de forma acelerada na última década e representa cerca de um terço da população brasileira, tende a exercer influência ainda maior nas eleições de 2026. Pesquisas recentes mostram que esse grupo permanece fortemente alinhado à direita e continua sendo o principal reduto entre os eleitores que são apoiadores de Jair Bolsonaro (PL), fator que beneficia diretamente o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), nome mais associado ao ex-presidente entre os nomes considerados como presidenciáveis.
Em cenários sem Bolsonaro, Tarcísio aparece à frente entre os evangélicos em levantamentos realizados pela AtlasIntel e pela Genial/Quaest*, com desempenho superior ao registrado entre católicos. O resultado reforça o papel das igrejas pentecostais e neopentecostais como estruturas de mobilização eleitoral e a continuidade de uma identidade política que une fé, conservadorismo moral e oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Quando analisamos os eleitores evangélicos, percebemos que a religião é um forte indicador do comportamento político, no sentido de que eles votam de maneira bastante alinhada e coesa com a sua religião. É algo que não verificamos ou que ocorre em menor magnitude com os eleitores católicos”, diz Breno Oliveira, analista político da AtlasIntel.
Entre evangélicos, Lula perde em todos os cenários no segundo turno
Um fenômeno que chama atenção nas pesquisas é o sentimento antilula e antipetista entre os evangélicos. No levantamento da Quaest, por exemplo, Lula perde no segundo turno para todos os opositores, entre esse grupo. Entre os evangélicos, Tarcísio fica à frente com 44%, contra 32% de Lula; o governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), vence com 39%, contra 30% do petista; e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), fica com 42%, contra 32% de Lula.
“O cenário do segundo turno mostra que o voto evangélico se mantém majoritariamente à direita, mesmo sem Bolsonaro como candidato. O evangélico sempre vota contra o Lula, independente de quem é o opositor da direita”, afirma Guilherme Russo, diretor de Inteligência da Quaest.
Ainda assim, Jair Bolsonaro é uma figura central na escolha do eleitor cristão. “O nome de Bolsonaro ainda tem peso e isso é inegável. Ele é uma liderança fundamental da direita, muito associado a crenças religiosas e ao papel dos evangélicos na sociedade. A tendência é que os evangélicos votem em quem Bolsonaro apoiar, diferente do que acontece entre outros cristãos”, diz Russo.
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Católicos se dividem sobre apoio a Bolsonaro
As sondagens sobre preferências do eleitorado mostram que os católicos apresentam um comportamento político mais heterogêneo. Na pesquisa AtlasIntel, entre os eleitores católicos, tanto Lula quanto o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), saem à frente e com larga vantagem em relação aos governadores de direita e à Michelle Bolsonaro (PL).
“Os católicos se dividem muito mais entre praticantes e não praticantes. Além disso, a política não é tão forte dentro da igreja quanto foi na década de 1970”, diz Russo, se referindo ao período em que a Teologia da Libertação cresceu dentro da igreja católica. “Não vemos padres ou bispos católicos na política, mas frequentemente vemos pastores”, complementa.
O sociólogo Paul Freston, especialista em religião, analisa como o comportamento político dos evangélicos é menos determinado por fatores econômicos ou políticas de redistribuição de renda, e mais por valores morais e pela percepção de mérito individual. Assim, políticas sociais não se traduzem automaticamente em apoio político.
“Depois dos primeiros anos de governo do PT, houve no partido uma sensação de ingratidão, porque muitos evangélicos se beneficiaram do crescimento econômico e de políticas públicas que criaram a nova classe C mas que, ainda assim, votaram contra o governo. Isso acontece porque existe uma ideologia muito forte do esforço e do mérito pessoal entre os pentecostais”, explica Freston.
Peso político evangélico acompanha mudanças demográficas
Esse peso crescente do eleitorado evangélico vem acompanhado de mudanças demográficas e culturais no país. O último Censo do IBGE mostrou que o número de evangélicos saltou de 22% da população em 2010 para quase 32% em 2022, enquanto o contingente de católicos caiu de 65% para 51%. Essa inversão histórica redefine as bases eleitorais e impõe novos desafios para candidatos que buscam o apoio cristão.
A expansão evangélica também se traduz em maior capilaridade eleitoral. Igrejas e lideranças religiosas exercem influência nas decisões políticas locais, apoiando candidatos a deputado, prefeito e governador. Por isso, além da corrida presidencial, analistas avaliam que o voto evangélico será determinante nas eleições estaduais de 2026.
“O Lula vai muito bem no Nordeste, enquanto o Bolsonaro vai muito bem no Centro-Oeste e no Sul. A região Sudeste é o ponto mais nevrálgico, pois possui mais eleitores em termos populacionais, mas não uma preferência definida. Estados como o Rio de Janeiro, por exemplo, têm uma proporção muito grande de evangélicos, acima da média nacional”, diz Breno Oliveira, da AtlasIntel.
O analista político lembra que os evangélicos não tendem a mudar de lado e são fiéis aos valores da direita. Nesse sentido, o eleitor que pode ser determinante nas eleições seria o católico. “O que garantiu a eleição do Lula em 2022 foi o eleitor católico do Sudeste que mudou de voto, não necessariamente por conta da sua religião, mas por outros motivos, como econômicos”, ressalta.
Valores cristãos se camuflam entre governadores presidenciáveis
Apesar da importância dos votos dos evangélicos e do crescimento da sua relevância nos últimos anos, os governadores presidenciáveis da direita têm passado longe de temas importantes para os cristãos. Romeu Zema (Novo-MG), Caiado, Ratinho Junior e até mesmo Tarcísio de Freitas dificilmente opinam ou levantam bandeiras, de maneira espontânea, em temas como aborto e ideologia de gênero nas escolas, cruciais para o aumento da popularidade de Bolsonaro em 2018.
Apesar de, recentemente, Tarcísio ter aumentado as menções a Deus e a Jesus nos seus discursos e publicações nas redes sociais, ele não aborda esses temas em sua gestão estadual, nem mesmo quando Sonaira Fernandes (PL), conhecida como “superevangélica”, compunha o secretariado dele na pasta da Mulher.
Temas como economia, privatizações e, principalmente, segurança pública, tem tomado conta dos discursos dos candidatos. “Por conta do que aconteceu no Rio de Janeiro, a pauta da segurança pública ganhou ainda mais relevância”, diz Letícia Mendes, cientista política e especialista em legislativo da BMJ Consultores Associados.
No entanto, Mendes acredita que o que mais pesa na decisão sobre o voto é o quanto o candidato consegue personificar os valores que ele defende. “Por mais que a economia tenha impacto real no bolso, o eleitorado observa mais o comportamento do candidato no dia a dia”, diz ela.
*Metodologia das pesquisas citadas na reportagem
- AtlasIntel: 14.063 entrevistados, em todo o Brasil, entre os dias 15 e 19 de outubro de 2025. Nível de confiança: 95%. Margem de erro: 1 ponto percentual para mais ou para menos.
- Quaest: 2.004 entrevistados pela Quaest, entre brasileiros de 16 anos ou mais, entre os dias 2 e 5 de outubro de 2025. Nível de confiança: 95%. Margem de erro: 2 pontos percentuais.
Por que a Gazeta do Povo publica pesquisas eleitorais
A Gazeta do Povo publica há anos todas as pesquisas de intenção de voto realizadas pelos principais institutos de opinião pública do país. As pesquisas de intenção de voto fazem uma leitura de momento, com base em amostras representativas da população.
Métodos de entrevistas, composição e número da amostra e até mesmo a forma como uma pergunta é feita são fatores que podem influenciar no resultado. Por isso é importante ficar atento às informações de metodologias, encontradas no fim das matérias da Gazeta do Povo sobre pesquisas eleitorais.
Pesquisas publicadas nas eleições de 2022, por exemplo, apontaram discrepâncias relevantes em relação ao resultado apresentado na urna. Feitos esses apontamentos, a Gazeta do Povo considera que as pesquisas eleitorais, longe de serem uma previsão do resultado das eleições, são uma ferramenta de informação à disposição do leitor, já que os resultados divulgados têm potencial de influenciar decisões de partidos, de lideranças políticas e até mesmo os humores do mercado financeiro.





