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A 30ª Conferência das Partes da ONU sobre mudanças climáticas (COP 30), realizada em Belém, no Pará, em meio à Amazônia, era vista por aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como uma oportunidade para o petista "impulsionar" o alegado protagonismo ambiental no cenário global. Mas o que se viu durante a COP 30 foram discursos diplomáticos marcados por contradições, crises de segurança, um incêndio que repercutiu internacionalmente e o financiamento incerto por parte de outros países para temas ligados ao meio ambiente.
Além disso, a desorganização, os protestos e invasões de manifestantes durante o evento e a falta de compromissos sólidos por parte de outros países minaram a narrativa de liderança ambiental almejada por Lula.
Na avaliação de analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, o evento selou mais uma tentativa frustrada de Lula de assumir protagonismo internacional. Para Gianturco, a COP 30 escancarou o declínio da posição que Lula ocupa no debate ambiental global. “A imagem de Lula sai mais negativa do que antes”, afirma.
A COP no Brasil também foi marcada pela ausência de representantes de primeiro escalão de países como os Estados Unidos e a China. A ausência de chefes de Estado, sobretudo de países centrais na agenda climática, foi percebida como recado claro de que a capacidade de Lula de mobilizar aliados diminuiu.
“Vários grandes líderes internacionais não participaram. Mandaram delegados de segundo ou terceiro nível ou nem enviaram representantes”, ponderou o professor e doutor em Ciência Política Adriano Gianturco.
A percepção de perda de protagonismo internacional é compartilhada por Luan Sperandio, analista político e diretor de operações do Ranking dos Políticos. Para ele, sediar a COP representava uma oportunidade histórica para o Brasil demonstrar liderança ambiental e capacidade de articulação global.
No entanto, as limitações logísticas e problemas estruturais desviaram o foco das negociações e enfraqueceram o potencial do país de projetar influência. “A escolha de Belém acabou gerando uma repercussão paralela que competiu com a agenda principal. Isso possivelmente inibiu a presença de algumas lideranças globais, criando uma comparação desfavorável com edições anteriores”, avalia o professor.
Os primeiros indícios de problemas vieram antes mesmo de a conferência começar. Denúncias sobre hospedagem a preços abusivos afloraram nas semanas que antecederam o evento: delegados relatavam diárias em Belém que superavam em muito os limites estipulados pela própria COP.
Outra questão diz respeito ao contraste entre a imagem vendida por Lula e a realidade enfrentada pelas delegações. Em artigo publicado antes do início do evento no Brasil, o petista afirmou que as COPs precisam mostrar ao mundo a situação real das florestas, rios e da população, devem deixar de ser apenas eventos simbólicos e teriam de se tornar espaços de ação concreta contra a mudança do clima.
“Queremos que o mundo veja a real situação das florestas, da maior bacia hidrográfica do planeta e dos milhões de habitantes da região. As COPs não podem ser apenas uma feira de boas ideias, nem uma viagem anual dos negociadores. Elas devem ser o momento de contato com a realidade e de ação efetiva no enfrentamento à mudança do clima”, afirmou Lula.
O que Lula escreveu, no entanto, contrastou com o que fez o chanceler da Alemanha, Friedrich Merz, por exemplo, ao relatar “alívio” ao deixar a sede da COP 30. “Quem de vocês gostaria de ficar por aqui? Ninguém levantou a mão. Todos ficaram aliviados por termos voltado para a Alemanha - especialmente daquele lugar onde estávamos (Belém)”, disse o chanceler, segundo transcrição divulgada pela emissora alemã Deutsche Welle (DW).
O descontrole logístico seguiu dentro do evento: houve falta de água em banheiros, preços altos na alimentação dentro dos espaços da COP, alagamentos, assalto a jornalistas, uma van de delegação estrangeira pegou fogo e houve ainda um incêndio em um pavilhão da zona azul. A Polícia Federal, por sua vez, revelou que pelo menos cinco pessoas com mandados de prisão estavam trabalhando no evento, o que gerou mais dúvidas sobre a segurança e a organização da cúpula no Norte do Brasil.
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O ambiente da COP 30 foi marcado por tumultos que chegaram a suspender conversas cruciais para o andamento da conferência. Um dos episódios que mais evidenciou o clima de instabilidade que permeou o evento foi o incêndio registrado na Blue Zone (zona azul), área controlada pela ONU e reservada a negociações oficiais.
As chamas atingiram um dos pavilhões e provocaram evacuação emergencial de delegados e jornalistas. Embora o fogo tenha sido controlado rapidamente, o episódio repercutiu internacionalmente e alimentou críticas de opositores ao governo, que associaram o incidente ao conjunto de falhas logísticas já identificadas desde o início da conferência. Para parlamentares, o incêndio reforçou a percepção de desorganização e ampliou o desgaste do evento perante a comunidade internacional.
O deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS) destacou que o episódio demonstra o despreparo do governo diante de compromissos internacionais. “Um incêndio dentro da COP 30 é o retrato perfeito do que virou o Brasil sob Lula: desorganização, improviso e descaso com o dinheiro público. Anunciaram ao mundo um evento histórico, mas entregaram falhas primárias de segurança. O governo gastou bilhões e nem sequer garantiu estrutura básica para proteger participantes. Esse desastre operacional mostra, mais uma vez, que a incompetência virou política oficial”. Até o momento, o governo federal já gastou aproximadamente R$ 787 milhões com a COP 30.
O incêndio se somou a protestos que também tumultuaram os dias na COP. Manifestantes indígenas e integrantes do PSOL invadiram a mesma Blue Zone, resultando em confrontos com a segurança. A imprensa internacional também repercutiu esses incidentes e destacou a quebra de portas e os ferimentos leves de agentes.
Em resposta, o governo brasileiro autorizou o reforço do aparato de segurança: o Exército instalou cercas cortantes — concertinas militares de arame farpado — ao redor das dependências da conferência para delimitar áreas restritas, o que foi visto como símbolo da tensão permanente durante a conferência. A pressão externa teve eco também na Organização das Nações Unidas (ONU), que cobrou formalmente o governo brasileiro por mais segurança e melhores condições operacionais, o que é considerado um constrangimento raro para um país anfitrião.
Gianturco classifica o episódio da invasão dos indígenas como sintoma da desorganização estrutural. “Foi um fracasso de segurança. O cordão de segurança fracassou totalmente e não garantiu a integridade de delegados internacionais”, disse o cientista político.
Em meio à pressão e à repercussão negativa dos protestos, o governo Lula, no entanto, aproveitou a COP para anunciar a criação de dez novas terras indígenas, somando 285 mil hectares de território reconhecido. Embora a medida seja bem-vista por ambientalistas, a oposição criticou a manobra política. Parlamentares integrantes da bancada do agronegócio acusaram o governo de agir “sem diálogo” e gerar “insegurança jurídica” para produtores rurais.
Por outro lado, apesar da tensão com setores ligados ao agronegócio, representantes do setor produtivo afirmam que a COP 30 também abriu espaço para a participação de agricultores e pecuaristas nas discussões climáticas. Patrícia Arantes, advogada e diretora executiva da Sociedade Rural Brasileira, avalia que esta foi a primeira edição em que o Brasil conseguiu apresentar a produção agropecuária nacional como parte da solução climática.
“Pela primeira vez, pudemos mostrar que o setor produtivo brasileiro é essencial tanto para a segurança alimentar global quanto para a transição energética, com destaque para os biocombustíveis. A nossa prática produtiva, apoiada pelo Código Florestal, demonstra que o país pode prosperar economicamente ao mesmo tempo em que oferece salvaguardas ambientais relevantes”, afirmou.

Declarações, promessas e desconfiança internacional marcam COP 30
Pautas consideradas centrais para os debates climáticos acabaram ficando relegadas a agendas paralelas e não devem constar no documento principal que deve ser apresentado ao final da COP 30. Já na reta final da conferência, pelo menos quatro itens previstos para esta edição ainda não tinham entrado na agenda.
Dentre eles, as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês), que são as metas que cada país determina para si para reduzir as emissões de gases do efeito estufa e se adaptar às mudanças climáticas, foram entregues por cerca de 100 países, o que representa pouco mais da metade dos signatários do Acordo de Paris.
O financiamento climático público de países desenvolvidos a países em desenvolvimento também encontra dificuldades em avançar. Para tentar driblar essa dificuldade de emplacar avanços, Lula usou como um dos pilares de seu discurso o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF). A iniciativa tem o objetivo de remunerar países tropicais pela preservação de seus biomas, com meta de captar US$ 125 bilhões a longo prazo.
A aposta do governo brasileiro, no entanto, esbarrou em pontos mal explicados da iniciativa, como é o caso de questionamentos sobre a governança e a transparência do fundo e o alerta de possibilidade de sobreposição com mercados de carbono. Assim, os aportes concretos ficaram muito aquém do pretendido - US$ 10 bilhões - e atingiram pouco mais da metade do objetivo traçado pela presidência brasileira.
Até o momento, somente seis países, incluindo o Brasil, se comprometeram com o fundo de florestas, totalizando cerca de US$ 5,5 bilhões. No entanto, aportes como o da Noruega, que se comprometeu com US$ 3 bilhões, foram feitos sob a condição de que sua participação não ultrapasse 20% do total captado, o que significa que o montante só entraria quando o fundo superar US$ 12 bilhões.
Outras duas propostas da presidência brasileira que não devem avançar são relacionadas à criação do Conselho do Clima da ONU e o chamado mapa para o fim dos combustíveis fósseis.
A criação do Conselho é uma proposta do presidente Lula, que defende que a diplomacia climática mundial precisa "fazer a transição das negociações para a implementação". O novo conselho seria um passo institucional para isso, no entanto, a proposta também não deve avançar.
Na avaliação de Gianturco, a criação de um conselho do clima ligado à ONU é um projeto de longo prazo, incerto de se concretizar em um único evento como a COP.
O governo brasileiro também tentou impulsionar o fim da utilização de combustíveis fósseis durante a COP em Belém. O presidente Lula chegou a discursar sobre o assunto na Cúpula dos Líderes, que antecede a COP, e afirmou que é necessário um "mapa do caminho" para que a humanidade supere a dependência dos combustíveis fósseis e reverta o desmatamento.
O tema, no entanto, encontrou resistência, especialmente de países como a Arábia Saudita e também não avançou. A pretensão do governo Lula esbarra em suas práticas. Prova disso foi a liberação para a exploração de petróleo na chamada Margem Equatorial concedida às vésperas da conferência. A exploração da margem equatorial é considerada o novo pré-sal brasileiro, mas é alvo de críticas de ambientalistas.

