Fachada da Biblioteca Pública do Paraná, em Curitiba. (Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo)

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Empresas seculares são raras e peculiares: qualquer desafio proposto é analisado segundo um padrão de decisões no qual o tempo longo é um dado favorável, não um limite. Havendo bons valores e persistência, tudo parece ser solúvel. Foi assim com as conversas entre a Gazeta do Povo e a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná sobre a digitalização da coleção, desde o primeiro momento. Logo elas se entenderam em torno da ideia de que o projeto seria mais viável se deixasse de lado eventuais considerações comerciais e focasse no serviço à comunidade paranaense.

Dito assim, parece abstrato – mas facilitou imensamente resolver um problema. A pesquisa histórica que levara à coleção era aquela de um centenário de empresa. O projeto de digitalização, se feito segundo os valores pensados, era muito mais amplo que isso. Por isso, foi desde o início destacado dos objetivos apenas empresariais. E assim se fez uma nova unidade: foi possível juntar um time de ponta em tecnologia para dar conta do desafio.

E não era apenas uma questão de bons valores e forte tecnologia, já que havia uma âncora muito forte. A coleção física da Gazeta do Povo estava guardada em muitas centenas de metros de prateleiras na Biblioteca Pública do Paraná, em Curitiba. Bem cuidada e com uma competente cópia em microfilme – o conjunto sendo a garantia de que a instituição cumpria bem a missão legal delegada pela Biblioteca Nacional de preservar a memória da imprensa do estado. Novamente, desde o primeiro momento, o foco das empresas centenárias no serviço à comunidade guiou as conversas.

Empresas seculares são raras e peculiares: qualquer desafio proposto é analisado segundo um padrão de decisões no qual o tempo longo é um dado favorável, não um limite

Luiz Felipe Leprevost, o diretor da instituição, fez exigências que estavam muito de acordo com os valores que guiaram o projeto: ele deveria servir também para aumentar a segurança da guarda, com o acréscimo dos arquivos digitais de imagens, e servir de instrumento para as equipes internas conviverem com as novas tecnologias que viriam para cumprir a missão legal da instituição. Tudo isso fez com que a Secretaria da Cultura desse seu aval para seguir adiante.

Toda essa base sólida permitiu a ousadia na tecnologia. A empresa Aurora Projetos, dirigida por Assahi Pereira Lima, aceitou um grande desafio – e foi juntar parceiros. A Motivo Produções, uma das grandes empresas de digitalização do Brasil, montou uma verdadeira fábrica de digitalização no subsolo da biblioteca. Começou a gerar terabytes em série de imagens de alta resolução. Elas foram sendo processadas pela BrisaTech, de Pedro Magalhães, para cumprirem diversas funções. Entre elas, aquelas que mais me interessavam: desenvolver instrumentos de consulta, com apoio de inteligência artificial. E ajudei da maneira mais prazerosa possível: como enxerido, propondo desafios seguidos para a equipe da Aurora – e aproveitando tudo para a pesquisa.

O privilégio acaba agora, depois de três anos de gratas descobertas. Parte do que aprendi na consulta à coleção digital da Gazeta do Povo pode ser encontrada no livro De Olhos Abertos e Pés no Chão, que Gastão Mesquita e eu escrevemos. A obra deve muito ao projeto Memória Paraná. Ainda quando estava sendo construído, permitiu que os dados fisicamente isolados nas folhas de papel se transformassem em um poderoso sistema de consulta instantânea sobre a história do Paraná. Espero sinceramente que todos agora possam ter o prazer de navegar em torno dela – num ambiente amigável.

Jorge Caldeira é escritor, doutor em Ciência Política e está à frente do Projeto Memória Paraná.

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