Governo Lula aposta no crescimento econômico e em manobras fiscais para manter gastos, ignorando alertas de especialistas sobre a explosão da dívida pública. (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

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Com a proximidade das eleições de 2026, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a claque petista vêm turbinando a velha narrativa da “herança maldita” – aplicada contra o governo FHC no início dos anos 2000 – para justificar os fracassos da atual gestão, em especial no campo da economia.

Segundo a versão gerada na usina de narrativas do PT, os problemas enfrentados pelo país agora não seriam decorrentes dos disparates promovidos por Lula e seus aliados, mas dos resultados supostamente ruins entregues pelo governo Bolsonaro, mais especificamente pelo ex-ministro da Economia Paulo Guedes.

Na verdade, porém, quem vai deixar uma tremenda “herança maldita” para seu sucessor – ou eventualmente para ele mesmo, caso saia vencedor no pleito de 2026 – é o próprio Lula. Só que a fatura da inépcia petista será paga, mais uma vez, por todos os brasileiros. E é inacreditável que, ainda assim, Lula apareça como candidato competitivo nas eleições do ano que vem, segundo as pesquisas. Tem horas em que, realmente, parece inevitável pensar que o Brasil merece o governo que tem.

A narrativa petista da “herança maldita” não resiste ao mais tosco teste de realidade, por qualquer ângulo que se analise as “realizações” de Lula 3. O desastre fiscal, é certo, é o reflexo mais evidente de sua gestão catastrófica, mas os danos causados pelo atual governo na economia vão muito além disso.

Da debacle das estatais ao aumento desenfreado de impostos, do engessamento dos empreendedores à concessão de benesses ilimitadas às custas da classe média, o estrago se espalha por todos os lados. Tudo sob o signo da demonização da riqueza e do sucesso individual, vistos como símbolos do “capitalismo malvadão”, tido como responsável por todas as mazelas da sociedade e não pela prosperidade inédita que proporcionou para a humanidade.

Comparar o estouro causado nas contas públicas pela gastança sem lastro promovida por Lula com o legado fiscal de Paulo Guedes é como tirar doce de criança. Os números não mentem, embora as maquiagens promovidas pelo governo na contabilidade oficial possam sugerir que o quadro não é tão grave quanto muitos analistas dizem por aí.

Lula, Haddad, o PT e seus aliados podem até querer propagar de novo a narrativa da “herança maldita”. Eles falam qualquer coisa. Agora, diante de tudo isso e mais um pouco, não dá para levá-la a sério

Apesar de o governo estimar um déficit nas contas públicas de R$31 bilhões em 2025, dentro da margem de tolerância do arcabouço fiscal, de 0,25% do PIB (Produto Interno Bruto), esse resultado só será possível por causa das manobras contábeis implementadas por Lula no atual mandato.

Sem a tal da “contabilidade criativa”, pela qual o governo ganhou uma “licença” para excluir das contas oficiais pelo menos R$ 40 bilhões em gastos com precatórios e com a cobertura das tungadas nas aposentadorias o déficit real neste ano deverá superar os R$ 70 bilhões (0,5% do PIB) – o equivalente a mais do que o dobro da meta fiscal proposta pelo próprio Lula, que já é bem permissiva.

No total, de 2023 a 2025, segundo cálculos da IFI (Instituição Fiscal Independente), uma organização vinculada ao Senado, as exclusões de despesas da contabilidade oficial já somam R$ 170 bilhões (cerca de 2,5% do PIB). Sem contar os déficits fiscais registrados “por dentro” no período, que já alcançam quase R$ 400 bilhões (cerca de 6% do PIB). Tirando 2020, no auge da pandemia, nunca se viu nada igual na história recente do país.

O contorcionismo contábil do governo pode até iludir os incautos e alimentar o discurso de sua tropa de choque, mas, para efeito da dívida pública, o que conta é o gasto real, independentemente das exclusões feitas pelo governo para dourar a pílula. E, no governo Lula 3, o resultado obtido nesse quesito funciona como uma “vacina” contra qualquer narrativa de “herança maldita” supostamente deixada por Guedes e Bolsonaro.

De acordo com o Banco Central, a dívida pública passou de 73,5% do PIB no último ano do governo Bolsonaro para 77,6% em 2025, com previsão de atingir 82,4% em 2026, conforme cálculos da IFI, quase dez pontos percentuais a mais do que em 2022.Isso, é bom que se diga, num período em que a arrecadação deu um salto real (além da inflação) de 3,2%, em cima do aumento real de 9,6% já ocorrido em 2024, como consequência da alta cavalar de impostos promovida pelo atual governo, sob a batuta de Haddad, hoje mais conhecido como Taxad, pela fúria tributária que marcou sua gestão na Fazenda.

Em contrapartida, no governo Bolsonaro, Guedes entregou um superávit fiscal de R$ 54,9 bilhões (0,6% do PIB) em 2022, o primeiro em oito anos, mesmo depois do aumento inevitável de gastos ocorrido em 2020, no auge da pandemia, quando o déficit na contas governamentais alcançou R$ 745 bilhões. Ainda assim, ele conseguiu diminuir a dívida pública de 74,4% do PIB para os 73,5% do PIB que deixou para Lula, com redução – e não com aumento – de impostos.

Se isso fosse tudo, já seria uma desgraça. Só que não é. É preciso colocar na fatura de Lula também os juros estratosféricos mantidos pelo Banco Central em seu terceiro mandato. Apesar de o Banco Central ter conquistado sua autonomia, que Lula quis reverter a todo custo, felizmente sem sucesso, é a ele que se deve atribuir, em última instância, a responsabilidade pela decisão da instituição de elevar os juros, para tentar manter a inflação sob controle, em meio à gastança promovida pelo governo.

Devido aos ímpetos perdulários de Lula, que gere as contas públicas como se os recursos fossem infinitos, para obter dividendos políticos imediatos, a inflação ficou bem acima da meta de 3% ao ano, o Banco Central teve de subir as taxas, em vez de cortá-las, como esperava o mercado no início do atual governo.

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Com isso, os gastos com a rolagem da dívida pública dispararam, os investimentos na produção perderam atratividade e as empresas e as famílias que estavam endividadas ficaram com a corda no pescoço. Muitos negócios foram à falência e muita gente teve seu nome incluído na lista de caloteiros do SPC (Serviço de Proteção ao Crédito).

Além disso, contagiado pelo estatismo ideológico embolorado da esquerda latino-americana, Lula parou por completo as privatizações. Com aval do STF (Supremo Tribunal Federal), ele também passou por cima da Lei das Estatais, nomeando a  “companheirada” para a diretoria e os conselhos de administração das empresas. Só os Correios, que estão perto da bancarrota, devem terminar 2025 com um rombo de R$ 10 bilhões. Desde a posse de Lula, há três anos, de acordo com dados do Banco Central, as estatais acumularam um déficit de R$ 18 bilhões, mais um recorde quebrado por Lula 3..

A Itaipu Binacional, que não é cotada em Bolsa e não precisa ter suas contas abertas no detalhe, ao contrário da Petrobras, virou o novo Eldorado da tigrada. As concessões de patrocínios milionários para artistas “amigos do rei” e para eventos organizados pela primeira-dama Janja da Silva e por outros “companheiros” passaram a fazer parte do dia a dia da empresa. As verbas generosas destinadas a projetos beneficiados pela Lei Rouanet são controladas pelo Ministério da Cultura por meio de uma planilha básica de Excel, provavelmente om base em informações defasadas.

Até na gestão de empresas privatizadas como a Vale e a Eletrobras Lula procurou interferir, politizando a gestão das companhias e levando-as a seguir sua agenda para não sofrer retaliações do Fisco e de outros órgãos de controle federais. No caso dos fundos de pensão das estatais, Lula deu um jeito de flexibilizar as regras de investimentos das entidades, que haviam sido endurecidas para evitar a bandalheira ocorrida em governos anteriores do PT. Abriu espaço também para que ex-dirigentes dos fundos, condenados por malfeitos, pudessem contestar as punições e voltar a atuar livremente na gestão, como se nada tivesse acontecido.

A “herança maldita” de Lula 3 inclui, ainda, entre tantas outras coisas, a ampliação do prazo para as estatais de saneamento se adaptarem ao novo marco legal do setor, a paralisação das negociações para adesão do Brasil à OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e as propostas de regulamentação dos aplicativos de entrega e transporte e de alteração da reforma trabalhista, que flexibilizou as relações entre os trabalhadores e os empregadores.

Hoje, a taxa de desemprego, anunciada pelo governo como “a menor da história”, exclui 90 milhões de brasileiros que são dependentes dos programas sociais e aqueles que não estão, por uma razão ou por outra, à procura de emprego, mesmo que em idade ativa. De quebra, Lula distribuiu benefícios sem fim através de programas como o Auxílio Gás e Luz do Povo – e, se puder, ainda vai aprovar a tarifa zero para o transporte coletivo urbano, que obviamente alguém vai pagar, e o fim da escala de  trabalho 6x1, com efeitos perversos na produtividade do país e nos custos das empresas.

Há muito mais no seu prontuário. Para listar tudo aqui, no entanto, seria preciso uma bobina de papel de imprensa, daquelas usadas pelas velhas impressoras dos grandes jornais. Lula, Haddad, o PT e seus aliados podem até querer propagar de novo a narrativa da “herança maldita”. Eles falam qualquer coisa. Agora, diante de tudo isso e mais um pouco, não dá para levá-la a sério.

Para consertar o estrago petista e recolocar o país nos trilhos, vai levar anos, com enorme custo social, como já aconteceu no pós-Dilma. Se Lula ganhar a eleição de 2026 e dobrar a aposta na sua agenda retrógrada, como tudo indica que vai acontecer nesse caso, não vamos nos iludir: vai ser um salve-se quem puder. Mas, se a oposição vencer o pleito, terá de fazer um esforço descomunal para administrar essa “herança maldita”. Ainda assim, lá na frente, se isso ocorrer, não será uma surpresa se o PT e seus satélites continuarem a dizer que o problema era Guedes e Bolsonaro.