MERZ BELÉM JANJA COP30
Janja durante a COP 30, em Belém. Belém do Pará, não a da torre. Nem a do pastel. (Foto: Bruno Peres/ Agência Brasil)

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Querido diário (Aysú ko'ema),

Hoje tomei a liberdade de registrar minhas agruras nesta folha de bananeira, usando tinta à base de urucum e uma caneta-tinteiro que o Seu Zé, meu mordomo ianomami, fez pra mim. Afinal, estou aqui na COP 30 e se me pegam usando caderno e caneta normais eu tô frita. Nada mais importante do que as aparências. Sempre.

Geralmente venho aqui para contar algo de espetacular que ocorreu durante minhas andanças pelo mundo (obrigada, contribuinte brasileiro). Mas hoje não. Hoje eu vim aqui desabafar. Porque me disseram que o chanceler (é assim que se escreve?) alemão, um tal de Metz, Merds, Merz, sei lá, andou falando mal de Belém do Pará, a Metrópole da Amazônia, a Cidade das Mangueiras e um dos municípios com melhor qualidade de vida da Região Norte. Fiquei, ou melhor, estou cuspindo fogo!

Amo Belém

Amo Belém. A cidade, a torre e também o pastel. Aliás, já contei pra você da decepção que eu senti quando, aos 21 anos, descobri que Jesus não tinha nascido em Belém do Pará, e sim em Belém, na Cisjordânia hoje ocupada pelos israelenses fascistas e genocidas? #FreePalestine Mas são aquelas coisas que a gente aprende no DCE da universidade pública, gratuita e de qualidade, né? Agradeçam ao Meu Marido por isso.

Mas voltando ao alemão que humilhou Belém. Do Pará. Que ódio! Como é que ele pode não ter gostado de vir aqui?! A gente tratou o polaco a pão de ló. Me pergunta se ele teve que pagar R$ 50 numa coxinha, como os brasileiros. Claro que não! Me pergunta se ele teve que desviar das balas perdidas das facções que controlam a cidade? Claro que não! Afinal, os diálogos cabulosos têm que servir pra alguma coisa.

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Esses eurocentristas

Mas é o que eu digo sempre e não faço nunca. Não tem que ficar bajulando essa gente xenófoba. Esses eurocentristas. Esses nah... nah... nah... E pensar que ele ouviu a Fafá de Belém, gente, a Fafá de Belém cantar! Toda trabalhada no vestido de pamonha. Um luxo! Além disso, ele tomou garrafada no Ver-o-Peso. Comeu tacacá e maniçoba. Se empanturrou de açaí. Ficou hospedado no melhor lugar possível, longe dos pobres e do esgoto a céu aberto. Nem o calor desgraçado que faz nesta terra ele teve que suportar! E ainda saiu reclamando. Ah, ele que volte lá pro chucrute dele!

Desculpe. Mas é que fico revoltada quando falam mal do meu Brasil brasileiro, meu mulato inzoneiro. O Brasil de Caetano e Bethânia. Do axé da Bahia. Da cisticercose, da esquistossomose e de todas as outras oses. Das palafitas, da Joelma, do curupira! Da carne-seca com farinha. Do jeitinho, da malandragem, do improviso, da gambiarra. Esse Brasil que canta e é feliz. O. Bra. Sil. Do. PT. (Me vê mais uma dessa de jambu, por favor. Sim, já tô mais calma, benhê).

Ainda por cima é mão-de-vaca

Onde é que eu tava mesmo? Ah, sim. E pensar que a gente desmatou a Amazônia, desalojando girafas ameaçadas de extinção, só pra construir uma estrada novinha pro Herr Fritz passar. Que a gente alugou navio e tudo, só pra ele não se expor demais ao sol do Equador. Da linha do Equador, não do país. Eu não sou tão burra, né?! Aliás, o cara não foi nem ao coquetel que eu preparei com todo o cuidado do mundo pros chefes de Estado. Tava com medo de ter que dar mais dinheiro pra proteger as florestas. Ainda por cima é mão-de-vaca, o alemón!

Ah, mas ele não sabe com quem se meteu. Deixa estar. Anotei na minha Cadernetinha do Ressentimento o nome dele e de todo mundo que me deu os canos naquele coquetel. Eu fiquei lá, com cara de tacho e um canudinho de papel mole na boca. Maior humilhação do mundo. Saiu em todos os jornais. Até na Folha! Sorte que fiquei ali, curtindo um som nativo e bebericando um gim-tônica selvagem, feito à base de ervas amazônicas e água de poporoca. É ruim, mas eu finjo que gostei. Viu como se faz, Seu Merz? Nada mais importante do que as aparências. Não ensinam isso pra vocês aí na Alemanha, não?

Ai, que ecopreguiça!

Mas então. Fiz tudo certinho. Os canapés eram veganos e, para quem quisesse, tinha até churrasco de melancia pro chato do Paul McCartney. Mas não foi ninguém. Não tinha nem um ditadorzinho africano pra gente bater um papo sobre os desafios da democracia. E eu que achava que ao menos o Macron fosse dar uma passadinha pra um tête-à-tête, mas... nada. Deixa estar. Da próxima vez que eu for a Paris ele me paga!

O papo tá bom, mas tenho que ir. É que estão me chamando pra um evento. Um painel sobre ecorracismo, ecossocialismo, ecofeminismo, ecotecnoturbomachofascismo. Sei lá. Algum ecochatismo desses. Ai, que ecopreguiça! Mas é o que eu sempre digo, gente: aparência é tudo. Tchau.