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Desde o final do século 18, num momento em que o Brasil sequer era independente, já havia debates difusos a respeito da possibilidade de o país se tornar uma república – um fenômeno que tomou conta do continente. Fomos o único país da América Latina a optar pela monarquia.
Ainda assim, foi apenas a partir de 1870 que o movimento pela implementação de outro sistema de governo ganhou força. Naquele ano, o Manifesto Republicano deu tons conceituais e políticos que inspirariam, inclusive, a criação do Partido Republicano Paulista (PRP), surgido três anos depois e que posteriormente seria decisivo para os rumos do país nas primeiras três décadas do século 20.
À parte o olhar para o contexto, que ajuda a explicar a consolidação do movimento pelo fim da monarquia, com o apoio do Exército, fortalecido pela vitória na Guerra do Paraguai, os acontecimentos que levaram o Marechal Deodoro da Fonseca a sair de casa, doente e debilitado, para proclamar a república em 15 de novembro de 1889 foram precipitados por uma série de movimentos que, hoje, poderiam ser chamados de fake news e envolveram o futuro sogro do escritor Euclides da Cunha.
Curiosamente, o primeiro decreto de Fonseca, que ficaria no poder até 1891, anuncia que a ação era provisória: “Fica proclamada provisoriamente e decretada como a forma de governo da nação brasileira – a República Federativa”. A ideia era realizar um plebiscito para consultar a população sobre a mudança de regime. Ele de fato foi realizado, mas apenas em 1993. Quanto à família imperial brasileira, somente em 1920 ela seria autorizada a retomar moradia no país. Nem Dom Pedro II, a imperatriz Tereza ou a Princesa Isabel voltariam a ver o Brasil.
Leia, com ortografia atualizada, o Decreto no 1, de 15 de novembro de 1889
Proclama provisoriamente e decreta como forma de governo da Nação Brasileira a República Federativa, e estabelece as normas pelas quais se devem reger os Estados Federais.
O Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil decreta:
Art. 1º. Fica proclamada provisoriamente e decretada como a forma de governo da nação brasileira – a República Federativa.
Art. 2º. As Províncias do Brasil, reunidas pelo laço da federação, ficam constituindo os Estados Unidos do Brasil.
Art. 3º. Cada um desses Estados, no exercício de sua legítima soberania, decretará oportunamente a sua constituição definitiva, elegendo os seus corpos deliberantes e os seus governos locais.
Art. 4º. Enquanto, pelos meios regulares, não se proceder á eleição do Congresso Constituinte do Brasil e bem assim á eleição das legislaturas de cada um dos Estados, será regida a nação brasileira pelo Governo Provisório da República; e os novos Estados pelos governos que haja proclamado ou, na falta destes, por governadores, delegados do Governo Provisório.
Art. 5º. Os governos dos Estados federados adotarão com urgência todas as providências necessárias para a manutenção da ordem e da segurança pública, defesa e garantia da liberdade e dos direitos dos cidadãos quer nacionais quer estrangeiros.
Art. 6º. Em qualquer dos Estados, onde a ordem pública for perturbada e onde faltem ao governo local meios eficazes para reprimir as desordens e assegurar a paz e tranquilidade públicas, efetuará o Governo Provisório a intervenção necessária para, com o apoio da força pública, assegurar o livre exercício dos direitos dos cidadãos e a livre ação das autoridades constituídas.
Art. 7º. Sendo a República Federativa Brasileira a forma de governo proclamada, o Governo Provisório não reconhece nem reconhecerá nenhum governo local contrário a forma republicana, aguardando, como lhe cumpre, o pronunciamento definitivo do voto da nação, livremente expressado pelo sufrágio popular.
Art. 8º. A força pública regular, representada pelas três armas do Exército e pela Armada nacional, de que existam guarnições ou contingentes nas diversas províncias, continuará subordinada e exclusivamente dependente do Governo Provisório da República, podendo os governos locais, pelos meios ao seu alcance, decretar a organização de uma guarda cívica destinada ao policiamento do território de cada um dos novos Estados.
Art. 9º. Ficam igualmente subordinadas ao Governo provisório da República todas as repartições civis e militares até aqui subordinadas ao governo central da nação brasileira.
Art. 10. O território do Município Neutro fica provisoriamente sob a administração imediata do Governo Provisório da República e da cidade do Rio de Janeiro constituída, também provisoriamente, sede do poder federal.
Art. 11. Ficam encarregados da execução deste decreto, na parte que a cada um pertença, os secretários de estado das diversas repartições ou ministérios do atual Governo Provisório.
Sala das Sessões do Governo Provisório, 15 de novembro de 1889, 1º da República.
Marechal Manuel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório. - S. Lobo. - Ruy Barboza. - Q. Bocayuva. - Benjamin Constant. - Wandenkolk.
Fonte: Câmara dos Deputados