POLZONOFF DEMISSÃO
Os leitores venceram. Foram tantos os pedidos de demissão que o Polzonoff se tocou e pediu pra sair. (Foto: Paulo Polzonoff Jr.)

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— (...) E é por isso que eu quero pedir demissão — concluo, triste e ao mesmo tempo aliviado. Uau. Estava precisando mesmo desabafar. O Chefe se recosta na cadeira e fica me olhando com aquela cara de quem está tentando resolver uma equação de segundo grau. Não, melhor: de quem está procurando a espiral de Fibonacci no meu rosto.

— De novo, Polzonoff? Ainda é segunda-feira! Haja paciência!...

— Eu sei. É que... É difícil ser eu. Por um lado, entendo o leitor. Ele está cansado de tanta notícia ruim, desgostoso, decepcionado e principalmente desconfiado. Ele é tipo aquele menino do “Sexto Sentido” e vê reinaldoazevedos por todos os lados. Aí, em plena segunda-feira, o coitado abre o jornal e lá está a minha provocação. Entendo. Juro que entendo. Mas tem também o meu lado.

— E qual é o seu lado? — me pergunta o Chefe.

Meu lado

— O lado de quem se esforça. De quem faz de tudo pra não ser dogmático e tenta dialogar. O lado de quem tenta imprimir algum tipo de humor ao texto. Qualquer texto. De quem se preocupa em ser leve. Ah, você sabe. Escrevo como quem está batendo um papo com os amigos. Porque, pra mim, os leitores são de fato amigos – e amigos que pagam o meu salário, ainda por cima! Mas é inútil. Ninguém quer papo. O que eles querem é validação, torcida, militância... E isso eu, que também estou aqui em busca da verdade, não posso dar.

— Polzo, Polzo, Polzo — diz o Chefe, como quem faz “tsc, tsc, tsc”. Não queria pedir demissão e agora sinto que ele vai aceitar meu pedido de demissão. Droga. Me preparo para o impacto. Três, dois, um: — Posso te chamar de Polzo, né? — Nem tenho tempo de responder. Minha mulher vai me matar! — Então, Polzo. Sinto ser eu a te dizer isso, mas...

— Mas...

Certezas, palanque e guerra

— Mas você é um cronista.

— E daí?

— E daí que cronista não existe pra agradar. Sua função é essa mesma. Provocar. Induzir à reflexão, de preferência sem ser chato. Tão chato. Às vezes é também fazer rir quem for de riso. Seu trabalho é incomodar. No bom sentido. Sempre com respeito e compreensão. Sem jamais partir pro insulto. Sabendo que o leitor, mesmo o mais ranzinza, é um ser humano digno. E, sinceramente, acho que você faz isso muito bem.

— Sério? Quer dizer que vou receber um aumento?

— O problema... — começa o Chefe, ignorando minha pergunta. —... é que as pessoas estão desconfiadas. Como você mesmo disse, elas veem inimigos por toda parte. Elas têm medo de serem traídas. E mais: elas veem a reflexão, qualquer reflexão, como um ataque, e isso é des... des... desconcertante! As pessoas querem certezas, palanque e guerra, Polzo. Você dá a elas dúvidas, nuances e diálogo.

Ainda vale a pena?

— E é por isso que vim aqui pedir demissão. Pra dar um pouco de alegria ao povo brasileiro.

O Chefe ri, mas não sei se ele entendeu a referência.

— Fala sério, Polzo. O que mais você quer que eu diga pra te convencer?

— Diga que vale a pena. Que ainda vale a pena.

— Ainda vale a pena. E quer saber por quê? Porque você é livre. Você não escreve pra um grupo restrito e que, muitas vezes, cego pela briga política, perdeu seu lado humano. Você escreve pra quem se esforça pra manter um mínimo de sensatez. Pra quem quer rir, inclusive da própria desgraça. E até pros que usam seus argumentos pra reforçar uma posição contrária à sua. Caramba, Polzo! Deixa de drama, homem!

Se eu parar

— Ótimo. Agora fale uma frase bem bonita aí. Só pra eu ir embora feliz — peço. Aos poucos, sinto a ousadia & alegria correndo nas veias novamente.

— Você é um cronista tentando entender o Brasil, o brasileiro e principalmente você mesmo. Tá bom assim?

— Nota sete pra essa frase aí, Chefe. Mas e se eu parar? Não vai ser melhor?

— Melhor pra quem? Pro Bolsonaro, que está prestes a ser preso? Pro Alexandre de Moraes? Praqueles que gostam de ser xingados de gado pela concorrência? Olha, vou te dizer uma coisa: se você parar, só sobra o grito, a lacração e a fantasia de seriedade. Só sobram a política e o jornalismo sem alma, feitos por caricaturas e pra caricaturas. É isso o que você quer? — pergunta ele.

Drama queen

Fico pensando. Claro que não é isso o que eu quero. Aliás, já estou até meio arrependido dessa conversa. Que baita drama queen eu sou! Mas, uma vez ali, diante do Chefe, resolvo dar uma última insistida. Um último blefe. Nem que seja apenas pelo bem do arco metalinguístico. Quer ver?

— Então você não aceita meu pedido de demissão?

— Nem pensar! — diz ele. Ufa. Na hora, me lembro de quando a tia do Jardim III pregou cinco estrelinhas azuis na minha testa, depois que aprendi a escrever “exceção”. Me sinto melhor. Começo até a pensar na próxima provocação. Me levanto e me despeço. Estou na porta quando o Chefe diz: — Olha... Já que você veio até aqui, atrapalhou meu café e me encheu o saco com essas lamúrias todas aí, quero te pedir uma coisa.

Seu pedido é uma ordem

— Diga. Seu pedido é uma ordem. (Até porque você é o Chefe).

— Escreva uma crônica contando que você veio pedir demissão. Por isso e por aquilo. Os leitores precisam desse tipo de coisa. Precisam saber dessa sua angústia lítero-existencial. E seus detratores, bom, seus detratores precisam dessa... esperança. Sim, a esperança de lerem só o título e acharem que, graças aos xingamentos, se livraram da sua voz incômoda e fanha.

Concordo. E aqui estamos.