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O prefeito eleito de Nova York, Zohran Mamdani, durante visita a Porto Rico no começo de novembro. (Foto: Thais Llorca/EFE)

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Em artigo anterior, de janeiro deste ano, mencionei o indiano Rajendra Sisodia, professor no Babson College, nos Estados Unidos, que fundou o movimento chamado “Capitalismo Consciente” sob a égide de um princípio fundamental: a meta das empresas deve ser o bem-estar da sociedade e não apenas o lucro. Mencionei também que Rajendra e o consultor Michael Gelb se juntaram para escrever o livro Empresas que Curam, com o subtítulo “despertando a consciência dos negócios para ajudar a salvar o mundo”. Tomando o sofrimento imposto à humanidade na pandemia do coronavírus, os autores propõem duas perguntas: 1. Qual deve ser a real missão de uma empresa? 2. É possível conciliar lucro e retorno ao acionista com compaixão e amor ao próximo?

Essa discussão volta ao cenário no momento em que Nova York elege para seu prefeito um esquerdista radical, o muçulmano Zohran Mamdani. O cofundador do PayPal, Peter Thiel, ganhou destaque ao declarar que uma das razões é que o capitalismo não está funcionando para muita gente em Nova York. Após a vitória eleitoral de Mamdani, viralizou nas redes sociais um e-mail que Peter Thiel enviou a vários bilionários em 2020, no qual ele alertava que “quando 70% da geração Y diz ser pró-socialista, precisamos fazer mais do que dizer que eles são estúpidos ou doutrinados; devemos tentar entender o porquê”.

Peter Thiel diz que proletarizar os jovens pode torná-los comunistas, e reafirmou suas preocupações sobre o conflito entre gerações e o futuro do capitalismo. Ele também afirmou não ter certeza se os jovens estão realmente mais favoráveis ao socialismo, ou se estão apenas desiludidos com o capitalismo.

O marxismo e o comunismo não foram derrotados. Derrotados foram os regimes ditatoriais do bloco soviético, que exterminaram milhões de vidas e não venceram a pobreza

Thiel crê que o aumento da popularidade do socialismo entre os jovens americanos deve-se ao descompasso existente entre a realidade e a expectativa de que todos se dariam bem e teriam elevado padrão de vida. Para ele, esse descompasso criou uma geração de frustrados. Nesse cenário, os inimigos do capitalismo, que sempre foram atuantes, nunca encontraram obstáculos criados pelos capitalistas, pois estes não se dispõem a defender o sistema nem trabalham para mitigar seus defeitos.

Uma das razões da omissão dos empresários na defesa do capitalismo e na atuação para minorar as falhas do sistema é a crença de que a queda de Muro de Berlim (em 1989) e a derrocada do império soviético (em 1991) derrotaram o comunismo e decretaram a vitória do capitalismo.

Essa crença é um erro. O marxismo e o comunismo (ou socialismo, com preferem os puristas) não foram derrotados. Derrotados foram os regimes ditatoriais do bloco soviético, que exterminaram milhões de vidas e não venceram a pobreza. Na sequência da queda do império soviético, o movimento comunista expandiu suas ações em outras partes do mundo, sobretudo na América Latina, que, por sua pobreza, era um terreno fértil para as ideias esquerdistas radicais.

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A respeito, o filósofo André Comte-Sponville alertou que “quando dois sistemas entram em concorrência, nada prova que o desmoronamento de um seja o triunfo do outro”. Apesar de seu fracasso econômico e do banho de sangue que produziu, o comunismo continua sendo o único movimento político de atuação mundial.

Nesta terceira década do século 21, o capitalismo apresenta rachaduras perigosas. O Brasil, por exemplo, sofreu três crises em uma única década. A de 2008-2009 (crise financeira mundial); a grave recessão de 2015-2016; e a paralisia de 2020, causada pela pandemia do coronavírus. Assim, em 11 anos o país teve uma crise no começo, uma no meio e outra no fim; uma crise a cada quatro anos. Essas crises estimularam as críticas ao capitalismo. Mas o Brasil é um país capitalista?

Considerando o brutal tamanho do setor estatal e intervenção do governo em todos os aspectos da vida, isto aqui é um semicapitalismo, ou seja, meio capitalista e meio socialista. A eleição do radical socialista para a prefeitura de Nova York reviveu os alertas feitos por Peter Thiel sobre distorções do sistema.

Como dito, o capitalismo apresenta fissuras, e os capitalistas deveriam estudar o sistema e ajudar a mitigar suas deficiências. Essa situação não é nova e não é a primeira vez que o mundo se vê frente à necessidade de melhorar a situação da parcela da população que está à margem do progresso econômico.

O aumento da popularidade do socialismo entre os jovens americanos deve-se ao descompasso existente entre a realidade e a expectativa de que todos se dariam bem e teriam elevado padrão de vida

Vale lembrar que, após a publicação de O Capital, de Karl Marx, em 1867, começaram movimentos a favor da melhoria das condições de trabalho de mulheres e crianças, como redução da jornada diária e melhores condições sanitárias no ambiente de trabalho. Em 1883, ano em que Karl Marx morreu, o chanceler da Alemanha Otto von Bismarck criou o primeiro sistema de aposentadoria, iniciando um elenco de reformas nas regras do trabalho, da saúde e da previdência social.

Porém, as medidas destinadas a melhorar a condição social dos mais pobres levaram ao crescimento exagerado do Estado: a carga tributária explodiu, os políticos e os burocratas estatais se encheram de privilégios, e os mais necessitados não foram beneficiados na proporção das mudanças. Aqui no Brasil, um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão do governo federal, mostrou que o setor estatal ajuda a concentrar a renda, por ter atribuído a seus membros benefícios e privilégios acima da capacidade econômica do país.

De qualquer forma, os governos, os políticos, os empresários e os intelectuais têm a missão de conhecer a realidade, entender os problemas e suas causas, identificar soluções e trabalhar para corrigir deficiências a fim de que os frutos do progresso beneficiem a todos.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos