Filho do traficante Marcinho VP, Oruam está no top 10 das músicas mais ouvidas do Spotify em 2025.
Filho do traficante Marcinho VP, Oruam está no top 10 das músicas mais ouvidas do Spotify em 2025. (Foto: Divulgação/Mainstreet Records)

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Durante boa parte do século 20, o Brasil produziu música popular com alta sofisticação. A Bossa Nova, a MPB e o Tropicalismo mostravam ambição artística. Entre os ritmos considerados de massa, como os chamados “brega”, o samba, o pagode e mesmo o rock, havia apelo poético e social.

Os tempos mudaram. A lista das dez músicas mais ouvidas no Spotify no Brasil em 2025 reforça o novo cenário. É o resultado de uma transformação que vem ocorrendo há anos.

As músicas mais tocadas no Spotify Brasil em 2025

  1. “Tubarões - Ao Vivo”, de Diego e Victor Hugo 
  1. “P do Pecado - Ao Vivo”, do Grupo Menos É Mais e Simone Mendes 
  1. “Coração Partido (Corazón Partío) - Ao Vivo”, do Grupo Menos É Mais 
  1. “Apaga Apaga Apaga - Ao Vivo”, de Danilo e Davi 
  1. “Última Saudade - Ao Vivo”, de Henrique e Juliano 
  1. “Fui Mlk”, de Nilo, Mc Paiva ZS, DJ Di Marques, Tropa da W&S 
  1. “Famosinha”, de Dj Caio Vieira, MC Meno K, Mc Rodrigo do CN 
  1. “Cópia Proibida”, de Léo Foguete 
  1. “Oh Garota Eu Quero Você Só Pra Mim”, de Oruam, Zé Felipe, MC Tuto, Dj Lc da Roça, Mc Rodrigo do CN 
  1. “Ilusão De Ótica - Ao Vivo”, de Matheus e Kauan e Ana Castela 

As faixas populares parecem estar cada vez mais rasas. São canções com narrativas previsíveis, que evidenciam uma clara redução da ambição estética e um empobrecimento progressivo do universo lírico. Na lógica do algoritmo, o mais importante é que a música seja fácil de reconhecer e tenha potencial de compartilhamento.

O sertanejo e o pagode lideram com folga entre as dez mais acessadas, mas funk e rap aparecem em colaborações e faixas populares. Em comum a todas, um gosto guiado pelas redes sociais e pela capacidade de gerar repetição. Vence a música que vira refrão, legenda no TikTok e áudio curto no WhatsApp.

Sem surpresa na parada do Spotify 

“Nenhuma surpresa. Metade da lista com sertanejos e a outra com funk e pagode. O que mais me chama a atenção é a duração das músicas, a maioria não chega a 3 minutos. Tudo parece ser produzido para o tempo efêmero das redes sociais, tornando-as tão ouvidas em 2025 quanto esquecidas em 2026”, avalia Francisco Escorsim, crítico cultural da Gazeta do Povo
 
A campeã em audições é Tubarões, da dupla Diego & Victor Hugo, que já acumulou mais de 318 milhões de reproduções (no Youtube, são 230 milhões de plays). Lançada este ano, na gravação de um projeto ao vivo em Uberlândia, a canção tem menos de três minutos, trata o amor com a marca da desconfiança e o refrão diz:

“Quem me deixou no mar/Não tem direito de me perguntar/O que rolou comigo e os tubarões”.   

“As listas das mais ouvidas dizem muito sobre a crise criativa da música popular brasileira. Em outras décadas, as paradas também eram dominadas por músicas fáceis de assimilar, radiofônicas, mas eu diria que até os anos 2000, de uma qualidade muito maior do que hoje”, comenta André Barcinski, crítico cultural.

Romantismo dá lugar ao sexo explícito 

O romantismo, historicamente central na canção popular brasileira, saiu de cena. O gênero foi substituído pelo sofrimento amoroso raso e pelo apelo sexual explícito.  
 
Entre as dez mais ouvidas do Spotify, “Fui Mlk” (6ª colocada), “Famosinha” (7ª) e “Oh Garota Eu Quero Você Só Pra Mim” (9ª) são sucessos com temática apelativa e que dificilmente serão lembrados quando o verão passar. As três são representantes de um estilo popular entre os jovens, e que oscila entre o funk, o rap e o trap. 
 
“Sem nenhum tipo de preconceito ou avaliação saudosista, é muito triste ver as letras dessas dez músicas. E a música romântica sempre foi o carro-chefe das paradas brasileiras desde os anos 60. Mas o romantismo talvez tenha sido substituído por temas mais ligados a sexo e letras mais explícitas”, comenta Barcinski.

O domínio do “ao vivo” 

Um dos aspectos mais evidentes do top 10 do Spotify é a forte presença de gravações ao vivo, sobretudo no sertanejo e no pagode. As cinco canções mais ouvidas aparecem em gravações de apresentações e ainda há mais uma entre as dez. 
 
É um resultado que pode ser avaliado de duas formas. Do ponto de vista dos artistas, é uma estratégia econômica. Durante décadas, o álbum foi o centro da indústria fonográfica. Com o streaming, a lógica mudou. Um único show gravado gera dezenas de faixas “novas” para os aplicativos e os autores ganham em monetização.  
 
Já com relação ao público, a proliferação do ao vivo indica uma necessidade de pertencimento. Mesmo em ambientes de escuta solitária, como fones de ouvido no transporte público ou na academia, fazem sucesso músicas que simulam a apresentação, a roda e o coro coletivo. 

O rock morreu? 

A ausência do rock brasileiro no Top 10 não é nenhuma novidade. O público jovem não vê o gênero como linguagem de pertencimento, mas como herança cultural, a música que seus pais ouviam. Sem renovação forte no mainstream, o rock permanece vivo em pequenos nichos, festivais e cenas independentes. 
 
“Outra característica da lista é a total ausência de alguns gêneros. Rock não entra, samba mais tradicional não aparece. Aliás, nas últimas pesquisas de gosto da juventude, o samba praticamente inexistia, o que é uma coisa muito triste”, analisa Barcinski.

O público do Spotify 

Os dados do Spotify mostram um público majoritariamente jovem, entre 18 e 34 anos, urbano e conectado. É uma audiência guiada por playlists e algoritmos, que escuta música em mobilidade.  

Predominam as classes média e média baixa urbanas, com acesso constante à internet móvel. Musicalmente, é um público que prioriza refrões fortes, repetição e identificação rápida. O Spotify revela muito sobre a juventude digital, mas não fala por todo o Brasil. 
 
“As paradas de Spotify, streamings em geral, são enviesadas porque elas pegam um público muito jovem, que costuma ouvir as músicas repetidas vezes e isso acaba elevando a posição dessas músicas no ranking. Mas a qualidade média das mais ouvidas é muito ruim”, declara Barcinski.

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