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A oposição intensificou a articulação no Senado para garantir que o Projeto de Lei da Dosimetria seja votado nesta semana, apesar de tentativas da base do governo de estender o debate na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e empurrar a análise para 2026. A disputa envolve pressões cruzadas, negociações em torno de ajustes técnicos no texto e a sinalização do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de que pode vetar o projeto. O objetivo da lei é reduzir penas de prisão para condenados pelos protestos de 8 de janeiro de 2023.
Senadores do PL, do PP e do Republicanos trabalham para manter um acordo fechado com a Câmara e impedir que o projeto seja alterado na CCJ. O foco é entregar um relatório do senador Esperidião Amin (PP-SC) sem alterações de mérito e levar o texto diretamente ao plenário.
O texto, aprovado na Câmara dos Deputados, prevê reduzir o tempo mínimo de cumprimento de pena para progressão de regime de prisão fechado para semiaberto de um quarto para um sexto da sentença em certos casos. Isso significa que os condenados pelos atos de 8 de janeiro, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) passariam menos tempo na cadeia.
Amin sinalizou que acolherá sugestões e emendas dos colegas e prometeu apresentar seu parecer até a próxima quarta-feira (17). “Vou ouvir, receber emendas de redação e de conteúdo. Antes de quarta apresentarei meu relatório, com o que recomenda o bom senso”, afirmou Amin, reiterando que cada senador tem liberdade para propor modificações.
Cientistas políticos ouvidos pela reportagem veem um cenário instável: há margem para que a dosimetria seja votada já nesta semana, mas o impulso inicial no Senado perdeu força e o tema pode facilmente escorregar para 2026. Eles apontam que a oposição só tem chance de vencer se contar com a decisão pessoal do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, de bancar a pauta. Os analistas também afirmaram que mesmo que o projeto avance, sua judicialização é praticamente certa, com risco real de o STF ser provocado a suspender trechos sensíveis da proposta.
O senador Carlos Portinho (PL-RJ) confirmou que o Senado trabalha para votar o projeto da dosimetria já na próxima quarta-feira, na CCJ, e no plenário na sequência. Talvez as duas votações ocorram no mesmo dia. Segundo ele, a Casa deve respeitar o acordo firmado na Câmara — sem novas emendas, exceto ajustes de redação.
Portinho rebateu críticas de que o texto poderia beneficiar "crimes comuns", não relacionados ao contexto político. A acusação de que o PL da dosimetria favorece criminosos violentos não se sustenta tecnicamente, segundo ele. Políticos de esquerda afirmaram que após o cumprimento de um sexto da pena, criminosos condenados por crimes graves, como homicídios e assaltos, poderiam voltar às ruas.
O texto aprovado na Câmara, no entanto, não produz esse efeito. A proposta apenas restabelece o critério histórico aplicado aos crimes menos graves (com penas menores), sem alterar o tratamento dado a delitos de maior gravidade. A lei de progressão de pena havia sido mudada em 2019, com a aprovação do Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019), que aumentou o tempo que os condenados têm que passar em regime fechado de prisão para poder ter direito à progressão de pena.
O PL da Dosimetria diminui o tempo de prisão para crimes menos graves, como o de depredação, e endurece as regras para crimes contra a vida e o patrimônio, elevando o tempo mínimo de cumprimento de pena de 16% para 25%. Para condenados reincidentes e para crimes hediondos, o percentual exigido é ainda maior, podendo chegar a 70% da pena, o que afasta o risco de benefícios automáticos ou generalizados.
Mesmo assim, Portinho disse ter pedido uma análise técnica e garantiu que essa não é a finalidade do texto. Ele afirmou que o foco do PL da dosimetria é corrigir “exageros” das penas aplicadas pelo STF nos casos dos atos de 8 de janeiro. Para ele, a própria Corte poderia ter ajustado as punições “absorvendo tipos penais” - que é o cerne da proposta aprovada na Câmara e discutida no Senado -, sem precisar da intervenção do Congresso.
O senador também voltou a defender anistia “ampla, geral e irrestrita” como solução definitiva para pacificar o país, mas reconheceu que não há ambiente político para isso. “O ótimo é inimigo do bom”, disse, justificando o avanço do projeto como resposta às famílias “arrasadas” pelas penas aplicadas.
Lula cogita veto ao PL da dosimetria
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declarou nesta quinta-feira (11) que não hesitará em vetar o texto, caso ele chegue à sua mesa sem os ajustes considerados necessários.
Em entrevista à TV Alterosa, o petista indicou que a decisão sobre a sanção ou veto será tomada com cautela, mas reafirmou sua posição de que o ex-presidente Bolsonaro deve ser responsabilizado.
“Quando chegar à minha mesa, eu tomarei a decisão. Tomarei eu e Deus, sentado na minha mesa. Ele [Bolsonaro] tem que pagar pela tentativa de golpe”, afirmou o presidente.
O veto de Lula também foi confirmado pelo líder do governo, Randolfe Rodrigues (PT-AP), em entrevista aos jornalistas no Senado. Ele classificou o projeto aprovado na Câmara como "inconveniente" e uma "surpresa de última hora".
Segundo Randolfe, o projeto não apenas atenua o crime de golpe de Estado, classificado por ele como "gravíssimo", mas também inclui atenuantes para outros tipos de crimes. Ele afirma que a matéria é uma "ofensa à ordem jurídica nacional", e que não se trata de uma circunstância qualquer, mas de crimes cometidos por aqueles que "tentaram matar o presidente da República" e "derrubar o regime democrático".
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Governistas prometem pedido de vista para barrar votação
O posicionamento do chefe do Executivo soma-se às críticas dos senadores da base governista. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Otto Alencar (PSD-BA), e o senador Renan Calheiros (MDB-AL) reforçaram a posição contrária à tramitação acelerada.
A dupla, que já atuou para sepultar na CCJ a chamada PEC da Blindagem (que dificultava a abertura de processos contra parlamentares), defende que o tema não pode seguir rapidamente sem uma análise detalhada de impacto.
“O Senado não pode aceitar passivamente que isso tramite rapidamente”, declarou Renan Calheiros, argumentando que a redução de pena em análise beneficia “um ex-presidente condenado por tentar dar um golpe de Estado”, exigindo redobrada cautela.
O efeito imediato dessa articulação foi o redirecionamento para análise aprofundada na CCJ, frustrando o plano inicial da oposição e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), de levar o projeto da dosimetria diretamente ao Plenário da Casa.
Na CCJ, governistas devem pedir vista, o que pode empurrar a votação para 2026, dependendo da decisão de Otto Alencar. A oposição tenta evitar o congelamento do projeto e pressiona para manter o acordo fechado com a Câmara.
Articulação da oposição ganha força antes do recesso
Apesar do prazo curto para a votação, com a proximidade do recesso parlamentar, a partir do dia 19 de dezembro, a avaliação da oposição é de que a votação já está encaminhada. O senador Izalci Lucas (PL-DF) afirmou que houve, inicialmente, uma iniciativa do Alcolumbre para levar o texto diretamente ao plenário. O presidente da CCJ, Otto Alencar, porém, exigiu que a tramitação começasse pela comissão.
Segundo Izalci, mesmo com esse recuo, há acordo para votar o projeto na CCJ e levar o texto ao plenário imediatamente depois. “Não vejo dificuldade. O relator deve fazer alguns ajustes, mas nada que altere o mérito - para não voltar à Câmara. Há um entendimento para votar [nesta semana]”, disse.
O senador reforçou que o PL da dosimetria é apenas “o primeiro passo” para uma anistia ampla, defendida por parlamentares do PL. “Se sequestradores e assaltantes tiveram anistia [no regime militar], por que esse grupo não pode ter?”, afirmou. Ele disse ainda que não há razão para o STF contestar eventual aprovação e que a oposição derrubará um eventual veto presidencial. “Se Lula vetar, vamos derrubar [o veto]. Simples”, declarou.
Na mesma linha, o senador Jorge Seif (PL-SC) afirma que a tentativa de adiar a análise do texto na CCJ atende ao interesse do governo de manter “um ambiente de insegurança jurídica”. Segundo ele, a dosimetria não é pauta apenas da oposição, mas do próprio Congresso, que busca corrigir distorções nas penas aplicadas aos condenados do 8 de janeiro. “Estamos prontos para votar hoje. Se houver pedido de vista apenas para ganhar tempo, vamos pressionar para que o texto avance imediatamente”, disse.
Seif define a dosimetria como “um passo indispensável” para restabelecer a proporcionalidade, critérios claros e o devido processo legal. Para ele, o projeto corrige parte das arbitrariedades, mas não encerra o debate. “Acredito que não será suficiente. O Congresso pode e deve discutir outros instrumentos para preservar garantias fundamentais e a separação dos Poderes.”
O senador defende que o Senado preserve o texto aprovado pela Câmara, evitando alterações que obrigariam o retorno do projeto à Câmara e prolongariam a insegurança jurídica. “Se houver ajustes, que sejam pontuais e sem desfigurar o mérito.”
Diante da possibilidade de o STF reinterpretar ou suspender trechos da futura lei, Seif afirma que o Congresso reagirá. “Se a Corte fizer isso, invade competência e tensiona mais uma vez a harmonia entre os Poderes. Vamos responder institucionalmente, politicamente e juridicamente.”
Sobre essa questão, o relator do PL da dosimetria na Câmara, Paulinho da Força (Solidariedade), já afirmou estar “tranquilo” em relação a uma eventual reação do STF. Segundo ele, se houvesse resistência dentro da Corte, ele já teria sido alertado. “Tenho uma relação lá e imagino que, se tivesse alguma reação, teriam me chamado. Então estou tranquilo porque não me chamaram. Se eles (STF) não reclamaram, é porque concordaram”.
Seif também salienta que, em caso de veto por parte de Lula, a oposição trabalhará pela derrubada da decisão presidencial. Segundo o senador, o tema ultrapassa o eixo governo-oposição: “Trata-se de limites democráticos e da necessidade de previsibilidade jurídica.”
Analistas traçam cenários divididos e apontam papel decisivo de Alcolumbre
Para Juan Carlos Arruda, diretor-geral do Ranking dos Políticos, o clima no Senado não favorece uma votação imediata. O calendário curto neste ano, a resistência do governo e o peso de lideranças que controlam a agenda tornam “muito improvável” que o projeto avance antes do recesso. Ele vê predominância de uma estratégia de “descompressão institucional”, empurrando a disputa para 2026.
"A tendência predominante é de que o tema seja empurrado para 2026, seja por falta de consenso, seja por estratégia política de descompressão institucional", diz.
Arruda também avalia que, embora a oposição tenha conseguido ocupar o debate, não tem hoje força suficiente para derrotar o governo em plenário. A base governista, ainda que "fragmentada", mantém capacidade "de controle de agenda e de obstrução silenciosa" para barrar avanços. Segundo ele, caso o texto passe, o risco de judicialização é "elevado": uma contestação no STF é considerada praticamente certa se houver qualquer brecha interpretada como interferência na autonomia do Judiciário ou violação a princípios constitucionais. "Nesse cenário, há chance concreta de suspensão ou modulação de trechos do projeto, prolongando ainda mais a insegurança jurídica em torno do tema", completou.
O cientista político Valdir Pucci reforça que o ambiente em Brasília muda rápido — e que isso afeta diretamente a leitura sobre a votação. Ele lembra que a anistia parecia morta até duas semanas atrás e, de repente, avançou. No caso da dosimetria, Pucci vê possibilidade real de votação já na próxima semana, mas admite que a temperatura política esfriou nos últimos dias. Para ele, manifestações convocadas pelo PT no domingo podem determinar o rumo: se forem grandes, a CCJ pode alegar necessidade de mais tempo e adiar tudo para 2026. A aposta dele hoje é de que a matéria ainda pode ser apreciada este ano, mas sem garantia. "O cenário político de Brasília muda muito rapidamente nesses últimos tempos", reforça.
Sobre a força da oposição, Pucci afirma que o Senado “é terreno mais difícil” para quem enfrenta o governo. A chave está nas mãos de Davi Alcolumbre, que controla pauta e ritmo de votação. Se Alcolumbre quiser reagir ao Planalto — especialmente após a crise com a indicação de Messias ao STF —, a oposição pode sim superar a base governista. Sem ele, não há força suficiente para romper a barreira.
Pucci também considera inevitável a judicialização. Caso o governo perca no Congresso, partidos de esquerda devem acionar o Supremo questionando a constitucionalidade do texto. Ele lembra que o STF só age quando provocado, mas, uma vez acionado, pode derrubar trechos ou até a lei inteira, desde que fundamentado. Para ele, a disputa jurídica é praticamente certa se o projeto avançar.


