Pela primeira vez, FAB realiza reabastecimento em voo entre o Gripen e o KC-390
Pioneirismo mundial amplia a capacidade operacional da Força Aérea Brasileira e reforça a autonomia tecnológica nacional
A Força Aérea Brasileira (FAB) concluiu com sucesso a Operação Samaúma, campanha de ensaios em voo coordenada pelo Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) — órgão responsável pelo desenvolvimento científico, tecnológico e industrial do Comando da Aeronáutica — junto às empresas Embraer e SAAB. Realizada nas instalações da Embraer, em Gavião Peixoto (SP), nos meses de outubro e novembro, a Operação teve como objetivo certificar o reabastecimento em voo (REVO) entre as aeronaves F-39 Gripen e KC-390 Millennium.
A Operação Samaúma representa um marco para o poder aéreo e para a Base Industrial de Defesa (BID), ao consolidar a autonomia tecnológica do Brasil em uma das capacidades mais estratégicas da aviação de combate moderna.
Ampliação da capacidade operacional da FAB
O reabastecimento em voo é uma capacidade fundamental para o cumprimento da missão da FAB. Isso permite que as aeronaves de caça permaneçam em operação por longos períodos, ampliando significativamente o alcance e o tempo de permanência sobre áreas de interesse (time on station).
Com o suporte da aeronave KC-390 Millennium, o Gripen pode, com apenas um reabastecimento, alcançar em poucas horas qualquer ponto do território brasileiro, incluindo regiões fronteiriças distantes, a cerca de 3.000 quilômetros de Anápolis (GO), onde se localiza a Base Aérea de Anápolis (BAAN), sede dos Gripens. Essa capacidade de responder prontamente a qualquer ameaça que cruze as fronteiras do Brasil assegura o cumprimento da missão da FAB de manter a soberania do espaço aéreo nacional.
Em outro cenário, em uma Patrulha Aérea de Combate, com o REVO, as aeronaves Gripen podem orbitar uma área por tempo prolongado, realizando sucessivos reabastecimentos no KC-390, posicionado à retaguarda. Essa tática é fundamental em diversas situações, inclusive em Missões Aéreas Compostas (COMAO, Composite Air Operations), nas quais o Gripen atua protegendo aeronaves amigas que realizam missões simultâneas em áreas próximas, como reconhecimentos, ataques ao solo, lançamento de paraquedistas e infiltrações de tropa, por exemplo.
Durante a Operação Samaúma, foram ensaiadas diferentes configurações de reabastecimento, incluindo o Gripen equipado com mísseis, bombas e tanques externos. Cada perfil foi avaliado em diversas altitudes e velocidades, a fim de verificar o comportamento da aeronave e a estabilidade dos sistemas. Os resultados confirmaram a segurança e a eficiência das operações, validando os procedimentos para emprego em missões reais.
A importância da campanha e certificação
A certificação de produtos aeronáuticos é essencial para garantir a segurança, a confiabilidade e a conformidade com normas internacionais de aviação, comprovando que os sistemas, componentes e procedimentos atendem a requisitos rigorosos de projeto, fabricação, manutenção e operação, minimizando riscos de falhas. No caso específico do reabastecimento em voo, envolvendo um par de aeronaves — o reabastecedor (tanker) e o recebedor (receiver) —, a certificação é ainda mais crítica devido à complexidade da operação em proximidade extrema, velocidades compatíveis e transferência de combustível sob pressão, exigindo integração perfeita entre sistemas, controles de voo automatizados, sensores de posição, válvulas de segurança e procedimentos de emergência. Qualquer incompatibilidade ou falha pode resultar em colisão, vazamento de combustível ou perda de controle, justificando testes extensivos de compatibilidade, estresse estrutural e desempenho em envelope de voo para obter a certificação que autorize a operação conjunta.
Pela primeira vez, o F-39E Gripen foi testado nesse tipo de atividade. Por isso, além da certificação do par, um dos objetivos da Operação Samaúma foi a qualificação dessa aeronave como recebedora de combustível em voo. A qualificação da aeronave de caça como recebedora de combustível precede a certificação do par (tanker-receiver), pois valida, de forma isolada, a capacidade do receptor de manter estabilidade, controle e integridade estrutural durante a aproximação, o contato e a transferência de combustível sob diferentes cargas aerodinâmicas e vibrações. A qualificação como recebedora é um passo fundamental para a futura certificação do Gripen com outras aeronaves reabastecedoras, considerando que cada reabastecedor diferente demanda uma certificação específica do par. No caso do Gripen, os dados gerados na Operação Samaúma serão analisados pelo Swedish Military Aviation Authority (SE-MAA), autoridade responsável pela qualificação dessa funcionalidade, na Suécia.
O KC-390 já possui a qualificação como reabastecedor e como recebedor de combustível, além da certificação de par com as aeronaves F-5, A-1 e os próprios KC-390, operados pela FAB. Essa capacidade de reabastecer os principais vetores da Força Aérea Brasileira é preconizada no contrato de desenvolvimento da aeronave e aumenta sua atratividade no mercado internacional.
De acordo com o DCTA, a campanha simboliza um momento histórico para a Força Aérea e para o setor aeroespacial nacional. “A Operação Samaúma representa um marco para o desenvolvimento da tecnologia aeroespacial brasileira. Ela simboliza a convergência de dois projetos de grande relevância: o Gripen, desenvolvido em parceria com a indústria nacional, e o KC-390, concebido e validado integralmente pela Embraer. A sinergia entre essas duas plataformas, somada à atuação conjunta da SAAB, da Embraer e da Força Aérea Brasileira, demonstra um avanço significativo no fortalecimento da nossa capacidade industrial e operacional. Esta campanha coroa um ciclo de desenvolvimento tecnológico, evidenciando o resultado de esforços integrados em prol da soberania e da inovação do país”, destacou o Coordenador-Geral da Operação, por parte da FAB, Coronel Aviador George Luiz Guedes de Oliveira.
Ensaios em Voo
Em campanhas de certificação como a Operação Samaúma, faz-se necessária a atuação de Pilotos e Engenheiros de ensaios em voo. A atividade de ensaios em voo consiste na execução controlada e monitorada de testes reais em ambiente operacional, com aeronaves em voo, para validar o desempenho, a segurança e a compatibilidade dos sistemas. No Brasil, esses Pilotos e Engenheiros especializados são formados no Instituto de Pesquisas e Ensaios em Voo (IPEV), organização militar da FAB subordinada ao DCTA. Poucos países do mundo têm a capacidade de formar esse tipo de profissional, sendo que o Brasil é referência no assunto, com capacidade de formar tanto militares quanto civis.
Uma vez que o Gripen esteja qualificado como recebedor pela autoridade sueca, os dados coletados durante os ensaios em voo são analisados pelas empresas fabricantes e entregues ao Instituto de Fomento e Coordenação Industrial (IFI), que também é uma organização militar da FAB subordinada ao DCTA. O IFI, enquanto autoridade de certificação militar nacional, certifica o par KC-390 e Gripen na atividade de reabastecimento em voo; essa certificação é reconhecida por toda comunidade internacional.
O nome da Operação faz referência à Samaúma, árvore símbolo da Amazônia, reconhecida por sua imponência e raízes profundas como uma metáfora da solidez e da integração entre as equipes envolvidas, refletindo a robustez dos projetos estratégicos conduzidos pela FAB.
Planejamento e sinergia
A Operação Samaúma envolveu cerca de 40 militares e foi resultado de um trabalho conjunto entre o DCTA, IPEV, IFI, Primeiro Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (CINDACTA I), Parque de Material Aeronáutico de São Paulo (PAMA SP) e a Base Aérea de Anápolis (BAAN), além das equipes da Embraer e da SAAB.
A campanha foi marcada por planejamento rigoroso, integração entre equipes multinacionais e execução precisa das missões em diferentes condições de voo. O resultado confirmou o sucesso de mais uma etapa dos projetos estratégicos da Força Aérea Brasileira, evidenciando a eficiência das aeronaves e a evolução dos programas em desenvolvimento.
Nas atividades técnicas, atuaram pilotos e engenheiros de ensaios em voo da FAB, SAAB e Embraer, com aeronaves F-39 já recebidas pela FAB e protótipos do Gripen e do KC-390, pertencentes às empresas. A coordenação harmônica entre as partes nessa complexa tarefa culminou no atingimento dos objetivos comuns de forma eficiente.
“Conduzir os ensaios em voo de uma certificação como essa é uma experiência de grande relevância para qualquer piloto da Força Aérea Brasileira. Uma campanha de ensaios em voo representa um ambiente complexo e desafiador. Para um profissional da área técnica, como eu, participar de uma operação dessa natureza é repleto de aprendizados, especialmente pela interação com duas fabricantes de grande porte e renome internacional, como a SAAB e a Embraer”, destacou o Piloto de ensaio da Força Aérea Brasileira, Tenente-Coronel Aviador David Escosteguy.
“Como piloto de teste, tive a oportunidade de embarcar em um protótipo e realizar os primeiros voos de um tipo específico de missão dessa aeronave, ainda em processo de certificação. Do ponto de vista profissional, essa experiência é extremamente gratificante. A complexidade envolvida em uma campanha de ensaios em voo intensifica os desafios, mas também torna a superação deles ainda mais recompensadora. Para um piloto de teste, considero essa experiência o ápice da carreira — uma verdadeira realização profissional, que permite explorar os limites de uma aeronave que, em breve, será entregue ao seu operador em Anápolis”, destacou ainda o piloto.
O Gerente da campanha de ensaios em voo da SAAB, Johan Kaliff, também destacou a importância da cooperação entre as equipes envolvidas. “A operação teve início há algum tempo e, ao longo de aproximadamente um ano e meio, mantivemos uma intensa interação com a Força Aérea Brasileira e com a Embraer. No começo, precisávamos conhecer melhor uns aos outros e compreender como cada equipe conduzia suas tarefas. Mas, assim que as atividades começaram a fluir, o trabalho conjunto evoluiu de forma muito positiva”, disse.
“Realizamos diversas reuniões de coordenação e encontros técnicos entre as organizações de ensaios em voo, o que permitiu uma integração sólida entre todos os participantes. Também tivemos uma interação constante com os representantes da Força Aérea Brasileira em Linköping [na Suécia], o que contribuiu para fortalecer a parceria e o alinhamento entre as equipes. De maneira geral, considero que a cooperação foi muito produtiva e bem-sucedida, refletindo o espírito de colaboração e confiança que marcou toda a campanha”, concluiu Johan.
Avanço tecnológico e fortalecimento da indústria nacional
A certificação do reabastecimento em voo entre o Gripen e o KC-390 reforça o papel da indústria aeronáutica brasileira como referência em inovação e integração tecnológica.
O KC-390 Millennium, desenvolvido pela Embraer, já é um sucesso de exportação e se torna ainda mais competitivo no mercado internacional. Essa ampliação de capacidade operacional consolida o avião como uma das plataformas multimissão mais versáteis e modernas do mundo.
O Engenheiro de ensaios em voo da Embraer, Rafael Testi falou sobre o impacto da certificação para a Embraer e para a indústria nacional. “A certificação do reabastecimento em voo entre o KC-390 e o Gripen traz impactos significativos para a Embraer e para a indústria aeronáutica nacional. Essa conquista eleva a operacionalidade da Força Aérea Brasileira, fortalecendo a capacidade de defesa do espaço aéreo nacional. Especificamente, a certificação demonstra a interoperabilidade entre as aeronaves, um fator crucial para operações conjuntas e para a integração com outras plataformas de nova geração. Além disso, o KC-390, um produto genuinamente brasileiro, consolida-se como um avião de reabastecimento em voo de alta tecnologia, posicionado na vanguarda do mercado global. Essa capacidade tecnológica avançada, tanto na função de tanque quanto de receptor, coloca o Brasil em um patamar de destaque na indústria aeronáutica mundial”, concluiu.
O Gripen, que também está sendo fabricado no Brasil com a participação direta da Embraer e sob transferência de tecnologia da SAAB, se beneficiou com a campanha. A qualificação da aeronave como recebedora de combustível em voo fortalece sua atratividade internacional e reafirma a capacidade do país de conduzir programas aeronáuticos de alta complexidade, com independência técnica e excelência operacional.
O sucesso da Operação Samaúma coloca o Brasil entre os países que dominam todas as etapas de desenvolvimento, ensaio e certificação de sistemas de defesa. O resultado revela o avanço da capacidade industrial e a consolidação da autonomia tecnológica do país, fatores que fortalecem a Base Industrial de Defesa nacional.
Importância do IPEV e do IFI
A Operação Samaúma consolidou o protagonismo do DCTA e de suas organizações subordinadas no fortalecimento da capacidade tecnológica e operacional da FAB.
O IPEV atuou na coordenação técnica da campanha, reunindo pilotos e engenheiros de ensaio especializados na execução dos testes e na análise do desempenho das aeronaves. A atuação do Instituto reforça sua missão de realizar ensaios experimentais que asseguram a performance, a segurança e a confiabilidade dos sistemas aeronáuticos empregados pela Força. O domínio dessa capacidade exige elevado grau de conhecimento técnico-científico em áreas como aerodinâmica, controle de voo, sistemas de combustível, interface homem-máquina e segurança operacional, consolidando o IPEV como elo entre o conhecimento científico e a aplicação prática na aviação militar e civil.
A atuação sinérgica dos pilotos e engenheiros de ensaio do IPEV junto à Embraer e SAAB contribuiu com a eficiência da campanha, destacando a importância de deter esse conhecimento na FAB. Nas interações entre esses profissionais foi possível otimizar o consumo de horas de voo adequando a quantidade de contatos de transferência de combustível de forma a assegurar o atingimento dos objetivos de todas as partes envolvidas.
“O IPEV contribuiu tecnicamente para a certificação do F-39 Gripen e do KC-390 Millennium, planejando e executando voos na campanha de forma integrada aos ensaios conduzidos pela SAAB. Nosso objetivo foi garantir um produto certificado de alta qualidade, com eficiência de tempo e custo, resultado da expertise conjunta da FAB, Embraer e SAAB. O processo de certificação do F-39 está sendo conduzido pelo IPEV em parceria com o Instituto de Fomento e Coordenação Industrial, órgão certificador nacional”, explicou o Vice-Diretor do Instituto, Coronel Aviador Cristiano de Oliveira Peres.
O IFI, por sua vez, é a autoridade certificadora militar do Brasil e foi responsável por assegurar o cumprimento dos requisitos técnicos, normativos e de aeronavegabilidade durante a campanha. A instituição conduz os processos de certificação, qualificação e acompanhamento industrial de produtos aeronáuticos e de defesa, garantindo que as soluções nacionais atendam aos mais altos padrões internacionais de qualidade e segurança. Com reconhecimento internacional, as certificações conduzidas pelo IFI são instrumentos estratégicos que garantem à FAB e à Base Industrial de Defesa produtos confiáveis, eficazes e alinhados às melhores práticas da engenharia aeronáutica mundial.
“O papel do IFI foi atuar em conjunto com o IPEV, a Embraer e a SAAB para definir a estratégia de certificação da aeronave abastecedora KC-390 (tanker), da aeronave recebedora F-39E Gripen (receiver) e da própria operação de reabastecimento em voo entre ambas. O processo permite ao país dominar integralmente os ciclos de desenvolvimento, avaliação e certificação de produtos de defesa, ampliando a autonomia e o alcance dos vetores estratégicos”, destacou o Chefe da Divisão de Certificação de Produtos Aeroespaciais do IFI, Tenente-Coronel Engenheiro Alexandre Luiz Reder Furtado.
As ações conjuntas dessas instituições, em parceria com a Embraer, a SAAB e a FAB, demonstraram a importância da integração entre o Estado e a indústria nacional, uma cooperação que resulta em ganhos diretos para o desenvolvimento tecnológico, social e para a independência operacional do país.
*Com informações da Agência Força Aérea
