
Em 23 de dezembro, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, apresentou um plano de paz de 20 pontos, construído em parceria com Europa e os Estados Unidos, e cujo ponto principal seria a entrega de territórios hoje sob poder da Rússia em troca de garantias de segurança robustas, que comprometeriam os Estados Unidos e a Europa com ajuda militar à Ucrânia em caso de um novo ataque russo. Esse tipo de oferta, em que todos os lados precisam fazer concessões para encerrar a guerra iniciada por Vladimir Putin em 2022, contrasta radicalmente com o plano de 27 pontos proposto anteriormente pelos EUA e que não passava de uma lista de reivindicações russas, e a resposta inicial de Moscou revela o caráter de Putin.
Para além da linguagem sobre “compromissos irrevogáveis” que de “irrevogáveis” não têm muito, a julgar por tantos outros desses compromissos que já foram rompidos desde o Memorando de Budapeste, de 1994, o que realmente importa são as providências práticas. A entrada da Ucrânia na Otan não é mencionada no documento e permanece uma possibilidade em aberto, mas o plano prevê que Estados Unidos, Otan e países europeus signatários de um eventual acordo ofereçam “garantias equivalentes ao Artigo 5 de defesa mútua da Aliança Atlântica”, segundo o qual um ataque a qualquer um dos membros representa um ataque a todos eles, que ficam obrigados a ajudar a nação agredida. Este é o tipo de medida cuja redação teria de ser cuidadosamente elaborada, para evitar que, no futuro, norte-americanos e europeus arrumem formas de “tirar o corpo fora” se a Rússia voltar a atacar a Ucrânia.
A Rússia não quer apenas o território ucraniano que julga ser seu; quer, também, manter o “direito” de voltar a atacar seu vizinho sempre que achar necessário
Em troca, os ucranianos oferecem duas opções para resolver a questão territorial: Kyiv prefere congelar a linha de frente, que hoje passa pelas regiões de Donetsk, Luhansk, Zaporizhzhya e Kherson; mas Zelensky também está aberto a desmilitarizar a parte de Donetsk controlada pela Ucrânia e reivindicada pela Rússia, transformando-a em uma zona econômica especial administrada pela Ucrânia e protegida por tropas internacionais, mediante aprovação em referendo nacional. Se a Ucrânia mantiver a posse de regiões de língua russa, terá de aplicar os padrões europeus para a proteção de idiomas minoritários. Já a usina nuclear de Zaporizhzhya será operada conjuntamente entre ucranianos, russos e norte-americanos.
Vários outros temas nem sequer foram mencionados no plano, como o destino dos ativos russos congelados no exterior, as sanções econômicas aplicadas à Rússia, ou a possível anistia ou responsabilização por crimes de guerra cometidos por comandantes e tropas russas. São itens que provavelmente ficariam para uma discussão posterior, uma vez que esta primeira parte do acordo fosse aceita por ambas as partes envolvidas no conflito – mas é aqui que reside o grande problema.
VEJA TAMBÉM:
Nos dias que se seguiram à divulgação do plano, Donald Trump conversou tanto com Zelensky quanto com Putin. O presidente norte-americano falou em “conversa produtiva” com o russo, e em “muito progresso para o fim desta guerra”, mas este é o tipo de afirmação otimista que já foi feita no passado sem se concretizar. E, se depender da Rússia, o padrão se repetirá: o vice-chanceler russo, Sergei Ryabkov, falou em “solução próxima”, mas rechaçou o plano ucraniano, afirmando que a Rússia ainda trabalha com o plano original de 27 pontos – que nem pode ser considerado um plano de paz, e sim um ultimato exigindo a rendição ucraniana.
Em um mundo ideal, em que a justiça prevalecesse, a integridade territorial ucraniana seria mantida, enquanto Putin e seus apoiadores pagariam o preço da agressão unilateral. Como este desfecho parece cada vez mais distante, a Ucrânia acena com uma “paz possível”, cedendo terras em troca de segurança. Mas a resposta de Ryabkov escancara as pretensões do invasor: a Rússia não quer apenas o território ucraniano que julga ser seu; quer, também, manter o “direito” de voltar a atacar seu vizinho sempre que achar necessário – isso explica a rejeição a um plano que nem mesmo contempla a entrada ucraniana na Otan, limitando-se a oferecer garantias de defesa contra novas invasões. É o tipo de ambição que precisa ser cortada na raiz: a dúvida é se, para isso, o mundo poderá contar com Trump, cuja nova política de segurança nacional parece reconhecer a existência de “quintais” onde superpotências têm passe livre para agir como bem entenderem.