São Paulo: a cidade que mais arrecada impostos e apaga sob estresse
Capital paulista é a oitava cidade mais estressante do mundo, segundo estudo que considerou fatores como segurança, custo de vida e mobilidade urbana
Há poucos dias, um estudo da empresa norte-americana Remitly colocou São Paulo como a oitava cidade mais estressante do mundo, entre 170 grandes centros urbanos. O levantamento considerou fatores como segurança, custo de vida, poluição, qualidade do transporte público e mobilidade urbana. Nessa mesma semana, mais de dois milhões de pessoas ficaram sem energia na cidade após um vendaval histórico. Perderam alimentos, medicamentos, estoques e, como se fosse um detalhe quase folclórico do caos, um técnico da Enel — em serviço por fora — foi preso por corrupção ao cobrar R$ 2.500 para religar a luz na Vila Mariana. Para a cidade que mais arrecada impostos no Brasil, o roteiro é curioso. O motor econômico do país funcionando no escuro.
São Paulo sustenta boa parte da máquina nacional. Gera riqueza, retorno fiscal, produtividade. Ainda assim, vive como se estivesse sempre improvisando. Falta previsibilidade. Falta estrutura básica. Mas sobra cobrança. O estresse apontado pela pesquisa não é sensibilidade exagerada. É desgaste acumulado de quem mantém o sistema em pé apesar dele.
O estudo fala da logística da vida cotidiana. Da insegurança que virou rotina. Do custo de vida que pressiona. Do tempo que escorre no trânsito. Quando atravessar a cidade exige uma hora de alerta para percorrer 10 quilômetros, não é a mente que falha, é o ambiente que adoece.
Isso levanta uma questão incômoda: como nossos impostos estão sendo empregados e, principalmente, como retornam para a vida real. Viver em uma cidade onde andar com o celular na rua parece um risco calculado não é paranoia. É adaptação. Cada deslocamento pede estratégia. Cada esquina exige atenção. Segurança virou habilidade individual, não política pública.
A cada queda de energia, não é só a luz que apaga. Apaga o comércio, a comida guardada, a paciência. O apagão do estresse não é apenas no interruptor, vem na memória, na mente que trava e na imunidade abalada. O corpo aprende a viver em estado de prontidão antes mesmo de perceber. Resiliência é a capacidade de adaptação mais favorável para sobreviver ao caos. Mas isso é sentido na reação agressiva, no adoecimento físico e até no sono.
O estresse crônico aparece no corpo de forma previsível. Irritabilidade, tensão muscular, dores de cabeça, sono fragmentado. A ansiedade deixa de ser exceção e vira estado basal. O cérebro passa a viver no próximo atraso, na próxima falha, no próximo colapso cotidiano. Não é ansiedade antecipatória. É vigilância permanente aos problemas que tiram nosso sono e sequer acontecem.
A neurociência explica. Sob estresse prolongado, o cérebro prioriza sobrevivência, não presença. Registra menos memória emocional. Quando tudo vira emergência, quase nada se fixa. O ano termina com a sensação de que o tempo passou rápido demais, não porque a vida foi intensa, mas porque foi atravessada resolvendo problemas. Quem vive apagando incêndios não cria lembranças, cria resistência.
Ainda assim, São Paulo é apaixonante. Pela diversidade, pelas oportunidades, pela potência cultural, pelo trabalho que pulsa, pelas pessoas que fazem acontecer apesar de tudo. É uma cidade que cria, acolhe, mistura, inventa. Justamente por isso, não deveria exigir heroísmo diário de quem a sustenta.
Cobrar retorno real dos impostos não é ingratidão. É maturidade cívica. Investimento em infraestrutura, segurança, mobilidade e serviços básicos não é luxo, é respeito. Amar São Paulo não é aceitar o caos. É exigir que a cidade funcione à altura de quem vive nela.
E talvez a pergunta final seja inevitável: até quando vamos chamar improviso de virtude? Até quando sobreviver será tratado como competência? E quando vamos transformar arrecadação em cuidado real com quem mantém essa cidade viva todos os dias?
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
